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O Som ao Redor

(O Som ao Redor, BRA, 2012)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Kleber Mendonça Filho
  • Roteiro: Kleber Mendonça Filho
  • Elenco: Irma Brown, Sebastião Formiga, Gustavo Jahn, Maeve Jinkings, Irandhir Santos, W.J. Solha, Lula Terra
  • Duração: 113 minutos

Em todo lugar há coisas que não poderiam ser mais explícitas, que noticiamos de cara, e há coisas que não percebemos por não prestarmos atenção. Por preguiça, comodismo e falta de vontade, só notamos aquilo que achamos que é interessante e o resto deixamos passar. O primeiro longa-metragem de ficção de Kleber Mendonça Filho é sobre isso, sobre uma sociedade que, construída sobre bases coronelistas e antiquadas, se desenvolveu, tomou rumos diversos e insiste em fingir que não é mais aquilo que foi um dia. Fingimos não ver, não escutar, não sentir, mas está tudo ali.

Em uma rua no bairro de Boa Viagem, no Recife, temos um retrato das superficiais mudanças sociais de uma nação que assumiu uma nova posição econômica e passou por alterações significativas depois do governo Lula. Novos bens, novos anseios e novas situações que, ao mesmo tempo, representam e mascaram a realidade de uma população que vive segundo as mesmas determinações de classes, jogos de poder e discriminações de antes.

Um núcleo de poder, personificado pelo personagem do velho Francisco, o dono da rua, domina, controla e determina como as coisas funcionam por ali. Quem entra, quem sai e quem fica. Sob suas asas sua família prospera e vive numa espécie de superioridade. Tem seus vassalos, suas regalias, sua importância. Em torno deles, uma série de outras pessoas é também circundada por outras pessoas.

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Entre as muitas formas de manutenção deste poder, um antigo sentimento comum nessa nova sociedade exerce uma pressão extra: o medo. Justificando algumas situações e dando liga a algumas estruturas, ele está sempre lá, mais onipresente do que qualquer outra coisa social. E alcança até o que parecia intocável.

Kleber Mendonça Filho sabe como trabalhar as sensações e os sentimentos como poucos, confirmando o talento demonstrado com todos os seus curtas. É notório que o diretor vai buscar inspiração em referências de peso no cinema mundial, mas também bebe em sua própria fonte, trazendo suas pequenas histórias para dentro deste universo que representa muito mais do que foi delimitado na tela.

Expandindo a história já explicitada em Eletrodomésticas e dando a ela uma profundidade fundamental à trama; demonstrando as alterações imobiliárias e sociais demonstradas em Recife Frio e sabendo fazer arrepiar como em Vinil Verde, o diretor pernambucano alcança um patamar inesperado no cinema autoral da atualidade no Brasil. Numa confluência de roteiro primoroso, montagem precisa, som de qualidade, fotografia calculada e uma noção de cinema pouco comum, Mendonça Filho leva o espectador por onde deseja nessa história que mistura medo, vingança e cotidiano e de maneira natural, não hermética e, por isso, tão diferente.

Nessa guerra entre autoral e comercial, tão presente no nosso cinema, falta ainda ver a repercussão nas salas de exibição para saber se, superando mais uma expectativa, o longa consegue ser completamente palatável e plausível ao grande público e arrebatá-lo como fez com a crítica especializada por onde passou. As apostas de que se sai bem nesse ponto são altas.

Entre tantas qualidades, o filme tem um único e incômodo problema: ainda que conte com atuações maravilhosas, não encontra o equilíbrio de todo o resto em seu elenco. Mas essa única falha não é o suficiente para esmaecer o brilho de tudo o que foi construído aqui.

Porque pode até ser fácil compreender o Brasil atual e perceber o que está sendo ignorado, mas é extremamente difícil traduzir isso em palavras e, pior, em imagens e sons. Fazer isso de uma maneira que não guie e nem informe, mas faça pensar, então, é mesmo de tirar o chapéu.

O Som ao Redor estreia nos cinemas brasileiros no primeiro final de semana de 2013 e, sem nenhuma dúvida, já é um dos fortes candidatos a estar em todas as listas do final de ano como um dos melhores. Não perca por nada!

Um Grande Momento:
A invasão.

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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