- Gênero: Drama
- Direção: Shariff Nasr
- Roteiro: Shariff Nasr, Philip Delmaar, Fahd Lahrzaoui
- Elenco: Fahd Lahrzaoui, Lubna Azabal, Slimane Dazi, Sabri Saddik, Emmanuel Ohene Boafo, Nasrdin Dchar, Yahya Gaier, Britte Lagcher, Shad Issa
- Duração: 100 minutos
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Em determinados filmes, a dificuldade de fazer uma análise isenta é mais acentuada do que costuma acontecer, e aí percebemos que somos seres humanos como qualquer outro. Antes de ser crítico de cinema, eu sou um ser atuante em sociedade, e certas motivações colocam em cheque minha capacidade de envolvimento livre com uma obra. O Amor está sendo exibido dentro da programação do 30o. Mix Brasil, é uma produção holandesa (ou dos Países Baixos) falado também em árabe e inglês. Ou seja, é uma obra de alcance universal dentro do segmento LGBTQIA+, com uma motivação geográfica que poderia ser um outro motivador de interesse. Por baixo de tantas possibilidades, é triste perceber que pouco de positivo sobra para formar seu quadro.
O diretor e roteirista Shariff Nasr é o responsável pelo roteiro da anti-pérola Que se Dane o Amor, De Novo!, produção da Netflix que estreou esse ano provocando vergonha com sua narrativa de gênero absolutamente parcial. Ainda que disponha sensibilidade para abordar o universo onde pisa aqui, os relevos escolhidos são de personagens difíceis de defender, moral ou socialmente. Vendidos de uma forma “todo mundo tem aqui parte de razão”, é muito fácil chegar bem antes da metade de O Amor com a certeza de que ninguém em cena merece torcida ou compaixão. Ainda que ações sejam subjetivas, não faz sentido debater as atitudes de outrem a título julgador, muitas das movimentações em cena soam inverossímeis, ou absurdas, ou cretinas, ou disparatadas, ou irresponsáveis, ou um pouco de cada.
Como já observamos, Nasr pouco se lixa para o amor heterossexual, aqui ele volta a demonstrar isso com muito mais abrangência: não há amor destinado a gays, à família, a si mesmo, não há qualquer lasca que seja de sentimento construtivo que una esses seres. Já a destruição, essa é buscada a cada nova exigência de cada personagem, criando uma certa antipatia do espectador para com seus tipos. Não há espaço para a compreensão e isso é uma culpa que recai no seu autor, que na ênfase de criar uma premissa que desse espaço para o debate nessa direção, só promove mais afastamento entre os personagens. O público, igualmente refém da narrativa, não consegue comprar lado nenhum, tendo em vista a quantidade nonsense de desamor desaguado.
Quando olhamos para o que o diretor Nasr pretende, imageticamente, a situação de O Amor não se eleva. Se narrativamente ele se descontrola com os excessos de bizarrices cometidas, na cadeira da direção o que vemos é se formar um filme óbvio em metáforas visuais pobres. O encontro entre as duas versões de Karim é uma ideia clichê, mas que funciona muito bem principalmente porque o contexto é novo, mas utilizar a dispensa da casa como uma portinhola para os erros do passado é um ponto arriscado. Dessa atitude é que chega a ideia de manter os encontros entre os primos que se sabem homossexuais pareceram uma descida ao inferno, entre o vermelho e o gelo, de bom gosto inexistente.
Temos então um homem na faixa dos 40 anos, não-assumido em sua homossexualidade, que arrancado do armário por um acaso, resolve “obrigar” (!!!!) seus pais a ouvi-lo, ou melhor, a aceitá-lo compulsoriamente. Ora bolas, sabemos da dor da rejeição, mas vale a apena uma compreensão obrigatória, um apoio mediante ameaças? O que Karim encampa é um erro, que se transforma em inúmeros erros iguais de seus pais, de seu irmão, de seu namorado… quase não existe uma atitude válida e digna de admiração em O Amor. São muitas camadas de erros de cada personagem, o que rende um descolamento do que se vê, restando apenas uma incômoda sensação de tempo perdido diante de um grupo de pessoas sem salvação. Que o protagonista, Fahd Lahrzaoui, trabalhe apenas uma única chave de interpretação (uma eterna cara de sofrimento/dor/depressão/topada no dedão), só atrapalha mais.
Diante do quadro desesperançoso de um filme que só tem coisas erradas a dizer, que O Amor termine com uma reflexão válida – logo após mais uma cena intrigante em sua irresponsabilidade emocional coletiva – é algo que nem se imaginava. O filme acaba olhando para Fouad, o vizinho, com a compreensão de quem se entende positivamente alheio ao que acontece dentro de uma família. A câmera se afasta e vemos a comunidade em questão cuidando de suas vidas, o contrário do que Karim imaginava acontecer. A vida continua, menos para o clã Zahwani, que precisa se reconstituir a partir de escombros muito doloridos. A essa altura, no entanto, não resta muita paciência para suas tentativas de reconciliação; a homofobia mais uma vez promoveu estragos, inclusive cinematográficos.
Um grande momento
O plano final