Crítica | Streaming e VoD

Caixa Preta

Espelho negro de inspirações

(Black Box, EUA, 2020)

  • Gênero: Ficção Científica
  • Direção: Emmanuel Osei-Kuffour
  • Roteiro: Wade Allain-Marcus, Stephen Herman, Emmanuel Osei-Kuffour
  • Elenco: Mamoudou Athie, Phylicia Rashad, Amanda Christine, Tosin Morohunfola, Charmaine Bingwa, Donald Elise Watkins
  • Duração: 100 minutos
  • Nota:

Caixa preta é o nome popular usado para um sistema de voz e movimento que grava as ações ocorridas dentro de aviões e pode identificar danos ou causas de acidentes. Não é estranho que Nolan, o protagonista de Caixa Preta, sinta como se precisasse de uma para recuperar a própria vida, após um acidente que matou sua esposa e lhe arrancou a memória. Que também Nolan seja o sobrenome de um cineasta contemporâneo que em seu segundo longa metragem brincou com os limites da memória (Amnésia) e vez por outra caminhe por lugares onde as mesmas são peças-chave de seus enredos, é um easter egg que talvez essa estreia do Amazon Prime Video não esteja disposta a assinar embaixo.

O filme faz parte de um projeto-antologia do canal de streaming desenvolvido sob as asas da cada vez mais gigante Blumhouse, produtora por trás de Corra! e Infiltrado na Klan que vem surpreendendo o mercado realizando milagres com orçamentos pequenos para filmes de gênero; Welcome to the Blumhouse abrigará outros três longas lançados até semana que vem, e ao julgar por apenas esse, teremos ao menos bons passatempos disponíveis esse mês, pois o projeto não parece muito pretenso a ir além da diversão de consumo rápido, ainda que os seus valores de produção sejam visíveis.

Caixa Preta (2020)

Dirigido pelo estreante Emmanuel Osei-Kuffour, Caixa Preta não surpreenderia se relatasse ter sido um episódio rejeitado de Black Mirror, a série da Netflix que eleva a tecnologia e suas aparentes benesses a categoria de vilãs modernas. Aqui, a premissa assinada pelo diretor apresenta também ela uma invenção igualmente apelidada caixa preta, que teria como aparente propósito recuperar memórias danificadas em acidentes, mas não memórias de máquinas e sim humanas. A ideia é a um só tempo tipicamente ousada (“isso é muito Black Mirror, lembram?), ainda que obedeça a um padrão de qualidade da série – sim, é difícil mesmo não ver ‘Caixa Preta’ como um filho perdido da série britânica.

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Apesar das 1 h e 40 de duração, o filme parece apressado em concluir seu ponto diversas vezes (tal qual muitos episódios de seu projeto progenitor), e com isso algumas ideias não parecem apenas soltas, mas resolvidas com a maior preguiça e cheias de lacunas meio canhestras. Personagens somem e reaparecem ao prazer do roteiro – como a filha do protagonista, que só “incomoda” a narrativa quando necessário – e o filme chega a apresentar a ideia de seu objeto-protagonista de maneira tão displicente que a impressão que temos é que o protagonista leu o roteiro antes do personagem saber do que se tratava, tão bem e tão rápido ele fica inteirado do funcionamento.

Caixa Preta (2020)

A relação entre a dupla de protagonistas no entanto injeta doses cavalares de empatia no longa. Mamoudou Athie (de Ameaça Profunda) e a pequena Amanda Christine elevam o material humano, que tem fatia bem consistente no produto. Eles são pai e filha e só tem um ao outro, depois de tantas tragédias ainda em recuperação. Se falta identidade ao projeto, uma cara própria que o afaste de um típico projeto televisivo, os seus protagonistas não diminuem sua relação pra acompanhar o projeto, pelo contrário, eles elevam o material e angariam torcida para uma solução a seu favor, já que o filme em determinado momento cria um impasse novelesco em sua trama.

Diante de um material que tenta falar de tecnologia sem criar qualquer textura que reflita isso em sua trama, e ainda ouse “pegar emprestado” do filme já citado de Jordan Peele em seu conceito de hipnose e sua formatação visual, Caixa Preta discute alguns temas interessantes, como a vontade particular de apagar a própria história e começar de novo em roupagem diferente, e a ideia de que nossa consciência pode ser reconstituída, ainda que essas reflexões sejam bem sutis e corram ao largo do passatempo, real motivação do projeto. Mas a diversão é garantida e o filme consegue até emocionar, graças ao crescendo de Athie ao longo de suas descobertas.

Um grande momento
A criatura no casamento

Ver “Caixa Preta” no Prime Video

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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