- Gênero: Drama
- Direção: Brady Corbet
- Roteiro: Brady Corbet, Mona Fastvold
- Elenco: Adrien Brody, Felicity Jones, Guy Pearce, Joe Alwyn, Stacy Martin, Raffey Cassidy, Alessandro Nivola, Isaach De Bankolé
- Duração: 215 minutos
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Há dois anos atrás o cinema nos apresentou Lydia Tár, uma das maiores maestrinas da história da música clássica, uma mulher que venceu obstáculos para estar em seu lugar por conta do machismo da sua área, tornando-se uma referência para futuras gerações. Esse ano, temos mais uma descoberta de um personagem imortal, desta vez na história da arquitetura e da engenharia modernas, que atravessou o século XX em uma jornada de imigração e auto destruição – trata-se de László Toth. Em comum, suas histórias agregam um valor paralelo: apesar da estrutura e da imponência com que são tratados, os dois personagens são fictícios, nascidos respectivamente para TÁR e O Brutalista, dois filmes cuja personalidade de seus personagens-títulos definem as obras em questão.
Dirigido por Brady Corbet (de A Infância de um Líder e Vox Lux), o filme conseguiu merecidas 10 indicações ao Oscar e divide opiniões desde que foi lançado, no Festival de Veneza, de onde saiu com o prêmio de melhor direção. Na nossa frente, uma produção que se pretende épica por sua formatação (3 horas e meia de duração, com direito a um intervalo de 15 minutos separando duas partes do filme) e que pode ser definida como um estudo de personagem radical, que propõe uma abordagem ampla ao olhar que esse protagonista apresenta e ao que efetivamente tomará conta de sua personalidade, a partir de determinado momento. Para longe dessa essência, trata-se também de uma parábola sobre a relação entre o Estado e o processo migratório, questão sempre em voga e que voltou a estar no centro das atenções nas últimas décadas.
Toth é um arquiteto húngaro que chega na América do Norte após o fim da Segunda Guerra, sobrevivente da mesma e carregado da dor que restou dela. Ele quer conquistar um espaço para trabalhar aqui e viver em paz com a família que ainda se encontra em seu país, à espera de seu resgate. A forma como Corbet filma as ações e reações de seu protagonista, uma figura inicialmente subserviente e grata pela nova chance, traduz uma espécie de leitura tradicional do imigrante sonhador, disposto a conquistar um espaço dentro de uma máquina em funcionamento – mas que encontra-se irremediavelmente destroçado. O que gradativamente o roteiro faz com esse personagem é situar seu lugar apontado por quem “o deixou chegar e ficar” – ou seja, a imagem de um conceito de pátria que abraça os filhos adotivos é constantemente rechaçada, nas entrelinhas do que é contado em sua espinha dorsal.
O que nos envolve é a maneira como Corbet e sua co-roteirista Mona Fastvold não deixam espaço para certezas em cena. O que corrompe o Homem, não é o simples descortinamento de uma moldura que sempre esteve ali? Desse jeito, O Brutalista forma essa camada de ambiguidade que perpassa toda a narrativa, a respeito do que conduz uma personalidade, sem romantizar seu protagonista. Toth apresenta um manancial de lados, se apresentando de maneira cada vez mais mutante, mas sem perder algo de sua essência. Já tendendo a quebrar, ele acaba assistindo a motivação pessoal para o horror surgir mediante a uma “terra das oportunidades” que lhe mostra seu verdadeiro lugar – nenhum.
A segunda parte da narrativa dividida mostra o reencontro familiar, e a desconexão do protagonista com tudo o que vinha compondo seu relevo, vai sendo desfeito de frente ao espectador. O Brutalista desmistifica os EUA enquanto alicerce popular para povos vindouros, justamente um país que foi formado por imigrantes (ditos, os piores entre os piores), ao mesmo tempo em que não demora a catalogar a coleção de esqueletos escondidos por um personagem. Se mostra bizarramente fascinante que o mesmo filme seja tão perverso na maneira como trata seus protagonistas, para terminar apresentando uma sequência artificial com sua cafonice e uma busca por um melodrama vagabundo. A música dos créditos, que parece nos encerrar em uma boate ordinária, é a confluência de muitos desejos do seu cineasta, de uma sensibilidade contrastante em constante mutação
Corbet já tinha apresentado nas suas experimentações anteriores essa fraquejada junto a uma pompa suntuosa e cadavérica e um uma aproximação ao vulgar de maneira explícita. Em O Brutalista, ele não tenta sequer fingir: sua provocação à grandiloquência desmonta seus personagens, que se tornam reféns de um tempo onde tudo parecia seguro pela “época”, ou pela estrutura cênica. A coragem de mimetizar um processo de mumificação da História, que corrompeu valores de países e de pessoas, e ter a coragem de mostrá-los assustadoramente atrelados ao nosso tempo, torna a experiência apavorante e ainda mais arriscada. O diretor, no entanto, abraça a virulência emocional que transporta dos objetos e construções para as pessoas, para A Pessoa, montando um painel que infelizmente deveria ser arcaico, estampar nossa contemporaneidade.
O que vaza das leituras acerca de O Brutalista é sobre economia de recursos em cena, sejam eles narrativos ou imagéticos. Mais uma vez, a subjetividade está no centro da discussão; na minha frente, não existe um cineasta que força suas virtudes para pretender um recorte épico. A duração do filme é justificada pela extensão do que há para ser contado, onde Corbet se dedica a esmerilhar o relevo de seu protagonista. Quanto a mise-en-scene, ela dedica-se a criar esse universo particular de uma maneira que evoque não apenas sua experiência pessoal, mas uma colocação universal através do microscópio que é colocado sobre apenas um. Centralizado ao máximo, não é um defeito que ao seu redor encontram-se apenas fagulhas de pessoas, sem qualquer pensamento de exatidão, porque suas funções também contribuem para o teor alegórico da obra.
Neste lugar situado entre uma epopeia a respeito da construção dos valores de um país (ou a verdade sobre ele) e o desenho acurado a respeito de um homem que afunda em sua danação, um elenco menos azeitado poria tudo a perder; não é o caso. Porém, ao passo de Guy Pearce estar em grande forma e Felicity Jones nunca ter sido melhor, o jogo é desequilibrado com a presença de Adrien Brody. Já vencedor do Oscar pela atuação emocionada em O Pianista, provavelmente não terá problema em conseguir seu segundo com o retrato cheio de humanidade de uma figura bifurcada entre a luz e a sombra. As nuances apresentadas pelo ator aqui elevam ainda mais um material profundo a respeito da queda do império moral de uma terra que não cansa de mostrar sua verdadeira face, e de transformar o alheio.
O brutalismo é um modelo arquitetônico surgido exatamente no pós-guerra, com o qual Toth vai empregar em seu maior projeto de trabalho nos Estados Unidos, e que consiste em linhas retas e aparência rústica do concreto. É também uma maneira de comunicação entre o protagonista e seu empregador, um bilionário que estabelece com ele uma relação sob o qual já vimos em diversos filmes, de Que Horas Ela Volta? a O Talentoso Ripley: aquele sórdido conceito de pessoas muito ricas que tratam os que consideram inferiores em qualquer escala com uma espécie de paternalismo disfarçada de familiar empatia que será desfeita a qualquer próximo lance. Estabelecer relações vampirescas é um clichê que o cinema geralmente usa com qualidade insuspeita, e o que é mostrado aqui extrapola os limites dessa relação. O Brutalista, em fina instância, também é um jogo de gangorra entre o passado destrutivo de uma sociedade que hoje almeja outro tipo de destruição, a da ambição moral, emocional e financeira.
Filmando como se cruzasse as ideias do próprio brutalismo ao planificar suas imagens de maneira estratégica no horizonte, com um torpor embriagante pelo qual seu protagonista sempre é assolado, que deforma o plano de maneira sempre a retirar sua estabilidade, Corbet resgata o VistaVision, modelo que não era utilizado no cinema há mais de 60 anos que amplifica os limites de cada quadro. O resultado é mais uma adição do caráter que o filme tem em absorver para si o tom de monumento em decrepitude que o filme carrega, e de transformar em imagens o que está sendo debatido no interior de Toth. O resultado do horror e da violência, que se manifesta nas ações dele sempre exacerbadas, estarão em breve expostos de maneira inexorável. O Brutalista é um projeto onde a forma e o conteúdo encontram consonância histórica, mostrando os reflexos na obra de seu personagem, na lente de seu diretor e na mensagem de sua parábola o quanto somos reféns do que nos foi talhado na pele, e abaixo dela.
Um grande momento
O jantar final
PS: De tempos em tempos, aparecem alguns signatários de uma seguinte doutrina: “a crítica de cinema existe para provocar uma ruptura no que propõe o realizador”. Ou seja, o jornalista/crítico de cinema existe para encontrar pontos de discordância entre o que pretende o cineasta e o que sua obra efetivamente é. Com respeito aos colegas, discordo de maneira veemente dessa colocação, porque acho que a crítica de cinema deve propor leituras frontais (e pessoais, e subjetivas – lógico) e encontrar caminhos de diálogos com o que foi preparado, não inquirir as imagens. Me pego nesse momento em meio a questões envolvendo O Brutalista, o que abriu um pensamento extra e que vem alcançando diversos filmes, como Ainda Estou Aqui, Anora e Emilia Pérez. Não há uma forma de ver um filme, assim como não há uma norma básica de leitura, ou uma diretriz única para análise
sempre olhava os textos. Aí fazem eu não voltar pro grupo do ZAP. Por favor voltem lá com o luiz