Crítica | Cinema

Megatubarão 2

Cinema-absurdo

(The Meg 2, EUA, CHI, 2023)
Nota  
  • Gênero: Aventura
  • Direção: Ben Wheatley
  • Roteiro: Jon Hoeber, Erich Boeger, Dean Georgaris
  • Elenco: Jason Statham, Wu Jing, Shuya Sophia Cai, Cliff Curtis, Page Kennedy, Sienna Guillory, Skyler Samuels, Sergio Peris-Mencheta, Melissanti Mahut
  • Duração: 111 minutos

Há cinco anos atrás, o divertido Megatubarão fez rios de dinheiro, levando para a tela grande a picardia e o nonsense que algo como Sharknado já fazia nas telinhas, com iguais sucesso e chacota. Que viria uma continuação era óbvio, o que ninguém imaginava era que o operário padrão Jon Turteltaub que tinha dirigido o primeiro daria lugar a um comandante de verdade, Ben Wheatley. O medo então viria a reboque: estávamos diante de um grande estúdio com um títere, ou um nome forte do cinema indie de gênero teria uma chance de mostrar seu talento para as massas? A resposta é ‘um pouco de cada’, e isso é melhor do que se apenas a primeira afirmação fosse vigente. O resultado da brincadeira, contudo, é muito mais sério e referencial do que a nova franquia talvez precisasse ser; os afortunados somos nós, que ganhamos um filme bastante superior.

Wheatley aproveita todos os espaços possíveis para transformar Megatubarão 2 em um filme seu, independente do valor do cheque recebido. E ele não apenas conseguiu carta branca para desfilar imageticamente algo que se conecta com sua filmografia, como decorou o filme não apenas com a sua cara, mas com um manancial de ideias e citações a inspirações suas, enquanto artista e cinéfilo. Dividido em duas partes distintas, separadas ainda por um outro bloco, o filme não deixa de subverter expectativas rumo a uma ideia de vulgarismo que não tem medo do escracho. É como se o diretor tivesse apresentando suas cartas de referência, ao mesmo tempo em que aceita mergulhar de cabeça em um mundo muito mais escroto, sem medo de ser (e de fazer) feliz. 

Quem acompanha a sua carreira, vai perceber uma conexão com certos tons, que vão de um amarelo muito vivo até um laranja avermelhado, que estava em Kill List, A Field in England e Free Fire, e que em Megatubarão 2 chega para coroar a sua primeira parte, justamente a que se propõe a uma conversa autoral. Ao mesmo tempo, é corajoso que pela segunda vez no ano, desastres subaquáticos sejam tratados com frontalidade (em Missão Impossível: Acerto de Contas – Parte 1 isso abre o filme) depois do acidente da OceanGate tão próximo. Essa primeira parte, inclusive, deveria colocar Hollywood – com a exceção de James Cameron – para assistir toda a captura dos efeitos visuais do fundo do mar, e entender onde podem acertar na hora de repetir as últimas estripulias. Toda a experiência pelo qual o espectador passa nesse bloco inicial, que vai do fascínio absoluto ao mais completo terror, sem nunca deixar de apontar os saborosos exageros que a série já permite, é uma aula de compreensão (e da aceitação) do poder da fantasia no cinema. 

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O trabalho de Wheatley, que começa próximo a um brega óbvio na sequência inicial já multi explorada por trailers, se sofistica exatamente quando os personagens se aventuram na aventura do fundo do mar, que inclui planos que tanto podem remeter a animações da Pixar, quanto a títulos claustrofóbicos de terror marinho. Sua mão é presente o bastante para que sejam percebido que o toque autoral vai além da cor, mas no próprio arco inicial, que conta com esse jogo de passear por 40 minutos por uma convergência de situações que levam o público a explorar sensações distintas que englobem gêneros diversos, e entregas igualmente diferentes. Que o filme saia desse momento para esse bloco do meio, onde a comunicação é às típicas aventuras do ‘exército de um homem só’ dos anos 90, vamos então compreender que a montanha russa proporcionada não tem contra indicações de gosto; têm para todos. 

Menos inspirado, esse momento é como um respiro que se segue à vertigem arquitetada para o campo final, que é tão ininterrupto quanto feérico. Ao adentrar um espaço em terra firme, Megatubarão 2 entrega mais uma vez o que todos foram aos cinemas assistir: ataques de seres gigantescos em massa. Se o bloco inicial parece contar com a fatalidade mais presente, aqui também Wheatley se permite adentrar em terrenos cuja exploração se dá pelo fato de que o filme é uma co-produção chinesa. Tendo isso em vista, o co-protagonista Wu Jing passa a comandar cenas de comédia física asiática simplesmente impagáveis, de uma criatividade que só permite com que produtos hollywoodianos respirem em paz. Com a ajuda dos bicharocos assassinos mais divertidos a surgir em muito tempo, Jing promove uma sessão de artes marciais lutando contra pequenos lagartos pré-históricos que leva o filme mais uma vez para o lugar de uma empolgação genuína por trás de coisas efetivamente surreais, e que só o cinema pode transformar em possível. 

Todo o elenco está à vontade no que exatamente está sendo proposto ali, entregar escapismo alucinante sem pensar em credibilidade. Não tinha como ser diferente de um filme onde Jason Statham surfa ao lado de tubarões gigantes; quando o roteiro só demonstra credibilidade quanto trata dos animais, mas não dos humanos; quando a câmera é colocada dentro da boca do bicho, para que possamos ver suas dentadas. Isso é Megatubarão 2, um filme que na tentativa de ser crível entre uma coisa e outra, acaba por escolher não ter nenhuma credibilidade. E quem estava esperando isso aqui? O que encontramos, ao fim e ao cabo, é muito superior: uma assinatura consciente e um autor disposto a correr riscos em nome de um parque de diversões de beira de estrada – que são os melhores do mundo. 

Um grande momento

São inúmeros, mas vou ficar com o banho de gasolina 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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