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O Castelo de Minha Mãe

Sabor de fim de infância

(Le château de ma mère, FRA, 1990)
Nota  
  • Gênero: Aventura
  • Direção: Yves Robert
  • Roteiro: Yves Robert
  • Elenco: Philippe Caubère, Nathalie Roussel, Didier Pain, Thérèse Liotard, Julien Ciamaca, Victorien Delamare, Joris Molinas, Julie Timmerman, Paul Crauchet, Philippe Uchan, Patrick Préjean, Pierre Maguelon
  • Duração: 98 minutos

Reencontrar o pequeno Marcel tanto em A Glória de Meu Pai quanto em O Castelo de Minha Mãe é como se entrássemos em um túnel temporal para a nossa própria infância, ao descolar da realidade tudo o que constituiu aquele homem, e deixar aflorar apenas sua essência, sua pureza literal. Essencialmente na segunda parte, já entendidos sobre o fascínio do personagem por um recorte da própria vida em plena descoberta, a obra adquire uma densidade gradual ao tratar dessa ligação entre o que parece ser o fim da infância e o princípio da compreensão de seu futuro — a poesia que brota com facilidade da sua narração adulta, a relação simbiótica que trava com Lilli, o deleite com que absorve cada inflexão às montanhas.

O Castelo da Minha Mãe

Trabalhando com um retrato que, à ocasião, já tinha inspirado mesmo Bergman (Fanny & Alexander), o grande feito de Robert ao adentrar o universo mágico de Pagnol é nos teletransportar emocionalmente para a delicadeza de uma infância que é melhor compreendida por quem viveu tempos analógicos. A infância de 2021 quase não faz paralelo com a de 1990, ou a de 50 anos antes disso; ainda assim, há esse espírito de descoberta que é a base da pré-adolescência, o fim de um ciclo despreocupado para um período onde tudo ao seu redor é aguçado naturalmente. Em O Castelo de Minha Mãe, o pequeno Marcel já situa seus desejos e tenta focá-los para a realização.

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Há uma conexão direta conseguida pelo filme entre o que é composto narrativa e imageticamente, uma tradução fiel de um sentimento passado para transpor o presente, observando a base da criação. O protagonista anseia o idílico, uma forma disruptiva e metafórica de impedir a chegada da responsabilidade e da passagem do tempo. Por isso sua conexão com algo que não é seu, é pertencente à natureza; através disso, também se compreende sua personalidade contra-dogmática. Marcel não quer a rotina, mas transformar a realidade em um constante sonho de infância, ainda que dentro dele já caibam também os desejos de um homem em pé de construção.

O Castelo da Minha Mãe

O que podemos alcançar, e o que é sonho — a distância das montanhas vistas do alto do campanário, e a proximidade de Lilli, à nossa frente, ao alcance do abraço. Lilli é a própria representação da imprevisibilidade natural, que no cinema geralmente é corporificada pelo que é selvagem, ou da ordem do desconhecido. Do encontro com esse pequeno acidente geográfico nasce uma história de amor que clama para saltar do tempo corrente e invadir a realidade. É assim que Marcel não vê outra alternativa se não criar narrativas para justificar seu reencontro com o que de indomável reside nele mesmo. Ao retornar às montanhas e à Lilli em saltos temporais constantes, O Castelo de Minha Mãe resume o encontro de seu protagonista com o que é a sua única alternativa: ser livre.

Ainda que o filme gire em torno de um sonho da criança que se transformará, no futuro, em um homem da arte (dramaturgo e escritor, mas também diretor e produtor de cinema), O Castelo de Minha Mãe é essencialmente uma obra sobre a coragem de realizar o que lhe é negado, e conseguir transformar a própria vida. Não há, como já dito, uma chave de partida que o espectador não tenha encontrado anteriormente, mas há, como poucos, a certeza da magia da criação cinematográfica, aquela que torna palpáveis sentimentos e sensações. Com a concretização do que é puramente emocional em forma de imagens, Yves Robert pode não ter criado uma filmografia das mais portentosas, mas deixou um legado que aproxima seus filmes da arte que Pagnol vislumbrou, transformando nostalgia, infância e determinação em matérias concretas.

Um grande momento
O reencontro entre Marcel e Lilli

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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