- Gênero: Drama
- Direção: Bernard Lessa
- Roteiro: Bernard Lessa
- Elenco: Raynier Morales, Ana Flávia Cavalcanti, Guga Patriota, Welket Bungué, Patricia Galleto
- Duração: 75 minutos
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Existe um tanto de ingenuidade na forma como O Deserto de Akin deflagra seus conflitos, os resolve (ou tenta fazê-los) e volta para uma metaforização incisiva, porém bondosa acerca do que que tenta tratar com o máximo de cuidado. Mundos cínicos, talvez? Talvez. Mas não é com pouco esforço que suas flechas são lançadas e nem podemos ser vis o suficiente, a ponto de não entender o que Bernard Lessa busca com o seu filme. Seria leviano não reconhecer seu carinho, seu cuidado, e sua genuína forma de identificação com o que está retratando, e até alguma verdade exposta naqueles diálogos, e no tanto de humanidade com que cada ator personifica o que precisa ser feito em cena.
Há alguns poucos anos, Lessa lançou A Matéria Noturna, produção igualmente debruçada sobre o próximo; não há dúvida de que a intensidade com que o diretor aborda o que conta parta de uma conexão real com seus temas, empaticamente que seja. Mais uma vez isso salta da tela, e bate no espectador uma vontade verdadeira de ouvir tudo o que ele tem pra dizer acerca do que se propõe, porque suas intenções são as melhores mesmo. Lessa também trabalha com símbolos visuais que muitas vezes tratam a imagem de uma maneira pedagógica, e não lhe faltam dentro desse campo um tanto de assertividade para com quem o assiste. O que não deixa de mostrar igualmente que suas necessidades de comunicação podem não fazer tão bem às suas narrativas, para se cercar de um exemplo.
Os acertos de O Deserto de Akin são muito substanciais, no entanto. Sua vontade de comunicar política, por exemplo, tem força inegável, e seu intento de conversar a respeito de um momento e aspecto do momento recente do país é absolutamente inédito, e muito fresco. Não é como se o país tivesse se transformado em um oásis nos últimos anos, mas a perseguição massiva a situações progressistas e muito bem sucedidas transformou o Brasil que conhecíamos em um portal de onde o pior do ser humano seria exposto a qualquer momento. O filme não somente expurga muitas situações, como coloca em discussão de maneira implícita os motivos e os resultados de um horror de extremistas, em cenas que mostram a verdade de alguns tipos, capazes de matar. É inegável que pontuar o filme com inserções de um tempo obscuro chegando, e acentuar tais situações em cenas agudas, acaba por refletir ainda mais a ideia de renovação que seu protagonista experimenta, aceita e usufrui com prazer.
É fácil comprar, então, a motivação de Lessa e a curva de seus personagens. A empatia que nasce pelo que O Deserto de Akin comunica, é a mais natural, e o trabalho que o filme apresenta a algum alienado que não fazia ideia da existência de um programa como o Mais Médicos, é verdadeiramente essencial. A verdade conseguida pelo personagem de Raynier Morales e seu entorno é palpável; a direção nos consegue levar para sua delicadeza, para as relações humanas que o imigrante constrói, para o que está em jogo na perda do que aquilo representaria. Quando tenta tratar das questões macro, no entanto, o filme escorrega em algum didatismo excessivo, e toda a fatia envolvendo o problema de visão da menina indígena escorrega no explícito da argumentação, mesmo quando trata-se de um material imagético.
Porque Lessa lida com o simbólico na maior parte das vezes, e com isso deixa o espectador amarrado ao seu tratamento pictórico. Para um filme cuja vontade de comunicar é tão própria, e para um diretor cujas qualidades estão evidentes, não contar com a esperteza do espectador para ler sinais, e fazer a administração dos mesmos para que terceiros capturem sua própria voz, sem dar espaço para outras experiências, arranha o que sentimos por O Deserto de Akin. Considero, ainda assim, um modelo de cinema que me interessa particularmente, por contar com sua poesia particular a respeito do afeto partilhado, e das conquistas emocionais que personagens periféricos podem usufruir em uma existência libertária. Assistido no Panorama Coisa de Cinema, é incrível encontrar ecos do belíssimo A Cidade do Futuro aqui, nesse sentido, filme dirigido justamente por Cláudio Marques e Marília Hughes, os diretores também do festival.
Através de Morales, e de suas interações com Ana Flávia Cavalcanti, Guga Patriota, Welket Bungué e Patricia Galleto, o filme alça voos que o levam para além de uma respeitabilidade contida. Essa direção de atores que Lessa compõe, fazem do material fílmico aqui apresentado um conjunto verdadeiramente pleno de harmonia. A foto da craque Heloisa Machado, aliado à tensão que o diretor elenca a todo momento, quebra suas fragilidades pontuais para equilibrar positivamente o que vemos. Apesar do final excessivamente esticado (e mais uma vez, ofertado de bandeja ao espectador), O Deserto de Akin atravessa sua duração exalando todos os sentimentos que deseja entregar, sejam eles revolta, paixão, melancolia, tesão e um sentido de descoberta, de si mesmo e de uma nova configuração de coisas, que vão de uma nação quebrada a uma fratura própria e jovem.
Um grande momento
A lágrima do protagonista, ao perceber o fim de um tempo.