Crítica | Outras metragens

O Destino da Senhora Adelaide

Esvaindo pela memória

(O Destino da Senhora Adelaide, BRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Animação
  • Direção: Breno Alvarenga & Luiza Garcia
  • Roteiro: Breno Alvarenga
  • Duração: 5 minutos

É muito feliz quando encontramos em um projeto tão sucinto uma análise tão desdobrada e contínua quanto em O Destino da Senhora Adelaide, filme que está na competição nacional de curtas do Cine PE 2022. Não é como se ele fosse um curta metragem comum, trata-se de uma produção de apenas 5 minutos de duração. Conseguir transmitir mensagem, reflexão, qualidade técnica e emoção… olha, nem sei dizer o quão raro é isso. Breno Alvarenga e Luiza Garcia, os diretores, chegam perto de conseguir um combo perfeito. Mas a sensação ao término da produção é que o máximo possível foi alcançado, em tão pouco tempo. 

A confusão inicial que o espectador tem com o filme é proposital, faz parte do jogo cênico que o roteiro imprime à situação. Como se tratam de brevíssimos 300 segundos de duração e sua vontade de comunicação é imensa, essa confusão é verdadeiramente breve, mas segue a protagonista em um momento de observação pessoal do mundo que, hoje, a rodeia. As coisas não estão mais em uma ordem de clareza emocional, e o que o filme consegue fazer é nos levar por breves instantes para dentro desse universo quadriculado. É como um jogo de quebra-cabeça, onde as peças não fazem muito sentido, e cujo resultado acaba formando uma imagem inesperada. 

Originalmente pensado como um live action, as agruras da pandemia transformaram a produção em uma animação que aproveita tudo que a narrativa poderia agregar a seu favor, primordialmente no aspecto onírico. Há uma desconstrução imemorial ocorrendo em cena, e para ela ser absoluta, o filme precisa abrir mão de uma lógica naturalista para congregar valor narrativo. Graças ao poder de encantamento e possibilidades de uma realidade animada, O Destino da Senhora Adelaide consegue adentrar corpo, cabeça e coração. Lá dentro estando, estamos enfim livres para compreender as muitas camadas de um processo que o tempo nunca concede trégua. É uma nova realidade, como se o início e o fim se encontrassem para perceber uma nova diretriz para o meio. 

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No tempo do filme, é melhor estender a compreensão do que é o próprio tempo. Porque, de fato, acontece muito mais coisa em O Destino da Senhora Adelaide do que a sua duração dá conta de cobrir. Talvez isso incorra em um erro, raro, de duração menor do que o aceito. Com tantas camadas a cobrir, ficamos com a impressão de que algo poderia ser ainda mais construído com uma duração maior. Nem é o caso de pedir um longa metragem para seu desenvolvimento, mas que em seu próprio formato fosse conseguido uma distensão um pouco mais sensível a tudo que está em pauta ali no jogo. Ainda assim, temos uma sensível realidade impressa.

Na verdade, talvez o que nos encante em O Destino da Senhora Adelaide também seja sua brevidade, seu lugar instantâneo de passar da maneira muito veloz sobre eventos que, em sua condição, acontecem igualmente rápidos. Como uma flecha certeira, Alvarenga e Garcia tratam seu tema e sua protagonista com o cuidado e o respeito que merecem, mas aludindo mesmo em sua duração a uma questão cara à perda de nossas bases. Em algum momento, de maneira tão ou mais inesperada quanto tínhamos, já não temos mais qualquer laço passado a que se agarrar. Com traços descontínuos em sua animação rebuscada como algo incompleto, há uma formatação em torno de algo que já não está mais presente. E ao mesmo tempo, nos absorve de maneira absoluta, tudo junto, de maneira arrebatadora. 

Um grande momento

O som atravessa pela primeira vez – menina e senhora

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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