Crítica | Streaming e VoD

Crescer Não É Brincadeira

Temas grandes, pequenos resultados

(Za duzy na bajki, POL, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Kristoffer Rus
  • Roteiro: Agnieszka Dabrowska
  • Elenco: Maciej Karas, Karolina Gruszka, Dorota Kolak, Patryk Siemek, Amelia Fijalkowska, Andrzej Grabowski
  • Duração: 106 minutos

A Polônia continua povoando a Netflix com lançamentos mensais em regularidade. Junto com a Turquia e a África do Sul, formam uma tríade fora do comum do streaming, ao mover seus aparatos rumo a cinematografias que o país raramente tinha essa frequência de contato. Não tem muita graça dizer que a França, a Itália e a Espanha apresentam igual constância porque são três países gigantes no cinema mundial, marcando presença frequente em festivais e com uma produção local muito grande. A graça, aqui no caso, é poder conferir algo Crescer Não É Brincadeira, que estreou essa semana quietinho, mas rapidamente foi parar entre os mais assistidos do canal, onde permanece. É o segundo lançamento infanto juvenil da semana, após o delicioso espanhol Live is Life, mas aqui existe uma preocupação social por trás dos arroubos de gênero. 

O diretor Kristoffer Rus já tinha lançado esse ano na mesma Netflix O Amor move Ondas, e aqui avança algumas casas rumo à relevância. São os dois únicos filmes do cineasta, porém existe uma presença mais marcante em séries de TV, que pode contribuir então para um amadurecimento de seu talento. E versa exatamente sobre isso seu novo filme, com esse passeio interessante entre a necessidade de confiar no próximo e um processo de amadurecimento emocional que vai além do que se espera de um tradicional coming of age. Sua agenda vai até um pouco mais adiante em discussões, porque o filme não trata de elencar seus predicados de maneira genérica; ainda que não seja necessariamente uma produção bem sucedida, o fato de escolher exatamente sobre o que falar o coloca em lugar destacado de uma zona temática que não está na pauta do dia. 

Crescer Não É Brincadeira
Netflix

O problema maior de Crescer Não É Brincadeira é a divisão de tom, porque o filme parece querer abraçar muitos públicos, desde os menores retratados na faixa etária do protagonista até os adultos que representam os outros personagens do filme. Não se pode agradar todo mundo, e nessa necessidade o filme soa vazio para ambos os públicos, sem aprofundar suas questões tão relevantes. Afinal, não é mesmo confortável falar sobre obesidade infantil querendo chamar atenção de pais e filhos ao mesmo tempo, e o equilíbrio nem sempre é alcançado a contento. O filme flerta mais do que deveria com um lado meio ridículo de situações que a própria produção entende como sérias, mas o esbarrão com uma trilha sonora inadequada é um dos fatores que tiram o peso de uma realização cujas pretensões se esvaem a cada novo acorde agudo, para o drama ou para a comédia. 

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É um acúmulo de elementos que talvez atrapalhe o andamento geral – além de obesidade infantil, temos a chegada da terceira idade, o “filme de doença”, até algum coming of age – e isso atrapalha cada um desses elementos, porque eles nunca estão sozinhos no plano. Tudo está misturado em si, e o roteiro de Agnieszka Dabrowska adaptado de sua própria novela, é sobrecarregado de afazeres. Para aproximar o público teen, o filme tenta também falar sobre a febre da profissionalização do videogame enquanto esporte e meio de vida, mas são tantos caminhos possíveis que esse é claramente o mais desperdiçado. O filme pode inclusive perder o mesmo público que tenta ganhar, porque muito rápido como isso é um pano de fundo muito pouco acessado pela narrativa, quando poderia estar em cena de maneira mais presente, como um contraponto à necessidade do protagonista em ter uma vida menos inativa. 

Crescer Não É Brincadeira
Netflix

Há, no entanto, um excesso de dramaticidade em Crescer Não É Brincadeira, explorado pelo tom melodramático que o filme apresenta a cada vez que se aproxima de um tema mais sério, ou que o filme mesmo se encarrega de agregar uma seriedade desmedida. Isso abafa o olhar sobre a independência que precisa acontecer entre mães superprotetoras e filhos mimados, um tema que está na espinha dorsal da produção, mas que perde a força que poderia ter. O motivo é a forma como o filme explora suas decisões, ou de forma muito rápida e leviana, ou com uma carga dramática desmedida, preenchida em cada fotograma de suas tentativas de solução de conflito. A relação entre essa mãe excessiva e esse filho despreparado, que ventila como algo muito promissor, acaba perdendo o interesse a cada novo viés de um certo histrionismo emocional. 

Embora Rus tenha evoluído como diretor (e por aí vocês tiram o exemplar anterior), ainda não é aqui que alcançou o lugar que já vislumbra no horizonte. Parte de sua inexperiência inclusive não consegue fazer com que Maciej Karas tenha uma atuação que consiga fugir das caretas, que comprometem um lugar importante do envolvimento. O menino é verde, não tinha vivência para acompanhar os muitos lugares onde esse personagem precisa passar, e não é o tempo todo que ele escorrega. Pelo contrário, vemos alguém capaz de progredir com clareza. Mas seu rosto acessa muletas com muita veemência mais do que deveria, e o diretor – que também não amadureceu, como seu ator – não consegue impedir essa superinterpretação de aflorar, com frequência. Ambos são frutos de um talento que provavelmente virá, mas que ainda não se mostra de maneira natural, e precisam explicitar o que deveria ser natural. 

Um grande momento
Churrasco de pimentão 

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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