- Gênero: Comédia
- Direção: Marcus Curvelo
- Roteiro: Marcus Curvelo
- Elenco: Marcus Curvelo
- Duração: 15 minutos
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O cinema de Marcus Curvelo sempre foi pautado pela política, macro ou micro, desde que particularmente o encontrei pela primeira vez. Encontrei, eu quis dizer, foi o esbarrão que esse cinema proporcionou em mim, e que eu encontrava repercussão também entre os colegas que resolviam debruçar-se sobre ele. Como Curvelo só lançou até agora um longa-metragem como diretor (e tal título, Eu, Empresa, nem chegou ao circuito comercial até hoje, mostrando uma ausência grave de interesse – e de descaso injusto – sobre o autor), sua trajetória é mais discutida oralmente do que merecia ser apreciado em contexto de análise crítica. A estreia do novo O Mediador volta a colocar holofotes sobre essa carreira, que escracha frontalmente o que ainda resta – e não é pouco – da extrema direita em contexto recente da nossa política; ou seja, o bolsonarismo.
Com 15 filmes lançados em 13 anos, Curvelo é um desses autores que a análise crítica conhece muito bem dos festivais de cinema, porque o cineasta já ganhou prêmios em praticamente todos eles. Em todos, o componente do embate político-filosófico esteve em voga, pendendo mais para um lado do que para o outro, em cada incursão. Dito isso, O Mediador me parece um processo natural desse autor de cinema, ao se ater da maneira mais simbólica possível sobre o fenômeno que é arregimentado por esse senhor. É uma obra acima de tudo corajosa em sua coerência, vindo de um processo que já estava escancarado antes, o interesse dele em conseguir compreender e complexificar um movimento sem qualquer padrões apresentáveis de humanidade.
O Mediador faz algo por Curvelo que eu, no entanto, não tinha conseguido aventar antes, que é sua inspiração (consciente ou não) de Radu Jude. O diretor de Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental lançou um último filme, Não Espere Muito do Fim do Mundo, que tem não apenas um dado estético em comum com essa obra do cineasta romeno, mas todo um esforço de pensar politicamente seus países de uma dotação bem humorada que se insere de uma maneira amarga e atual com o retrato de cada um dos lugares em questão, sejam ele Brasil ou Romênia. São provocações provenientes de quem já assistiu tragédias suficientes para capturar o espírito do espaço em questão e também de seu tempo, redirecionando a crítica para uma forma de auto julgamento que decodifica também seus autores.
Como todo autor em depuração, Curvelo sempre escala uma nova montanha em cada novo projeto – e temos a eterna impressão de que seu Everest ainda não chegou. Quando O Mediador se apresenta, temos rapidamente duas impressões: a de que faltava ele falar frontalmente desse período, e a de que não precisava que ele o fizesse. Seu cinema é absolutamente uma descrição de sua posição política em cenário de polarização, e não tenho certeza do quanto ele avançou na sua escala de provocação. Ainda assim, incitando suavemente uma maneira elegante de insurgir, o filme direciona seu deboche para um campo de inteligência de edição que passa a ser o nosso foco ocular na obra, que é assinado pelo autor. E tendo nessa sua autoralidade tão extensa, voltamos então a enxergar o brilhantismo de poder se declarar ultrapassado em tempos onde o tempo não pertence a mais ninguém, que não a velocidade em si.
Essa é a impressão de que a obra de Curvelo nos passa como um todo, mas que aqui exerce um poder do nascer no passado, ou o que imaginamos que deverá ser. À frente do reflexo das reflexões, tanto do seu cinema consegue nos levar adiante à sua voz, e provocar uma catarse de presente que se metamorfoseia pareado com o pensamento do espectador. Em O Mediador, Curvelo se permite olhar para o passado, como se despedir do horror mais uma vez dissipando seu alcance de destruição, destituindo-o de gravidade. Resta a verve, resta não dotá-los de qualquer sintoma de poder ao decidir não torná-los imagem. Resta a voz, a ser diminuída e continuamente apagada pelo futuro, pelo novo. Avante, Curvelo!
Um grande momento
Dois Curvelos que se encaixam