- Gênero: Comédia
- Direção: Radu Jude
- Roteiro: Radu Jude
- Elenco: Katia Pascariu, Claudia Ieremia, Olimpia Malai, Nicodim Ungureanu, Alexandru Potocean, Andi Vasluianu
- Duração: 106 minutos
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Talvez o primeiro grande filme a abordar a pandemia de maneira tão direta e alcançar amplitude mundial, não surpreende que o responsável por essa decisão tenha sido Radu Jude. Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental é mais uma camada apresentada por um cineasta que merecia a visibilidade que um verniz passageiro quanto o de um grande prêmio em um dos maiores festivais europeus pode dar. Porque sua obra, tão arraigadamente política e cuja humanidade corre sempre em entrelinhas deliciosas, é um daqueles apanhados que não merecem apenas respeito mas reverberação; o Urso de Ouro no Festival de Berlim pode catapultar seu nome para apreciação de fora do nicho “cinéfilo cabeça”.
O estranho é constatar que logo seu filme mais “livre” tenha alcançado tal feito. Como um filhote da pandemia, o mais novo longa do diretor de Aferim! nunca renega essa questão, e puxa sua narrativa pra dentro de uma discussão até que estaria disposta fora do contexto pandêmico, mas que o dado da pandemia acrescenta iguais doses do tradicional sarcasmo do cineasta e uma colherada de absurdo e despropósito que o ratificam e ampliam. Porque a pandemia não é o motivo para que esse filme tenha sido feito, mas seu roteiro compreende nosso tempo mais exato e transforma em camada mais uma propriedade disposta em cena.
Dividido em três blocos, acrescidos de um prólogo e uma sucessão de “desfechos”, Má Sorte… parece um “passeio no parque” para quem já entregou algo tão impactante como Eu não me Importo se Entrarmos para a História como Bárbaros, mas não se iluda com uma aparente falta de sofisticação da incisão de sua adaga comumente afiada. Como uma assumida sátira social, que acaba revelando o que de pior pode haver na sociedade atual, seja romena ou brasileira (aliás, romenos e brasileiros nunca foram tão parecidos quanto os apresentados aqui por Jude), o filme não tem medo de habitar um lugar do humor em todas as suas vertentes, desde as mais sofisticadas até o humor físico, tendo sempre o respeito pelo gênero.
O combo de situações que é disparado pelo prólogo, um vídeo íntimo de sexo explícito filmado por um casal e que vaza para domínio público via internet, não apenas se contenta em discutir a situação específica para que serve o ponto de partida do roteiro, mas também alfinetar vários segmentos sociais, a própria reação popular diante da pandemia, a relação entre a intimidade e uma pretensa vida pública não desejada, ou seja, Jude assalta em várias camadas. Essa ideia de transformar o palco de discussão literalmente em um ringue cômico é uma espécie de materialização do que vemos nas redes sociais, e funciona de maneira integral.
A partir desse vídeo, passamos a literalmente seguir a professora Emi, que foi chamada pela escola onde dá aula para justificar o tal vazamento. Nesse caminho de Emi, conhecemos uma Romênia das fachadas destruídas, dos anúncios de multinacionais, das impossibilidades e entraves dispostos pela realidade pandêmica, além de um flagrante dessa mesma pandemia, com os negacionismos vigentes, a “máscara no queixo”, e os discursos que os colocam no mesmo balaio da “gripezinha”, dos eternos cidadãos de bem, sempre dispostos a atacar, no que converge para o terceiro ato, um crescendo de selvageria verbal e física.
O miolo de Má Sorte… consiste em uma série de vocábulos cujos significados alcançam diferentes níveis de deboche e provocação, como é o tom do filme. É uma sequência mais extensa do que deveria, e muito menos regular que as outras duas tomadas, embora também a sequência final incorra em reiterações e uma tendência ao incômodo, mas que pode ser facilmente empregado como uma escolha proposital e deliberada para insuflar os ânimos de uma reunião muito empertigada que se transforma em um baile de horrores típicos do contemporâneo da sociedade dita culta e informada de hoje – ao fim, sobram poucos acertos naquele contexto de agressão generalizada.
Dono de uma voz associada ao político-social e que já passeou por contextos históricos e atuais, nada mais óbvio que ele produzisse uma pedreira com um olhar corrosivo sobre a sociedade que conseguiu se tornar ainda mais escrota pós-pandemia. O controle sobre o outro, a vigilância extrema sobre todas as coisas e o conservadorismo sem freios são o pé para que Radu Jude desça o sarrafo em tudo que é possível. Faltou a Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental algo que freasse sua ânsia de metralhadora giratória, que em determinado momento perde a função, mas é um típico representante do cinema romeno de agitação sensorial.
Um grande momento
O terceiro final