(Parwareshghah, AFG, DNK, LUX, FRA, ALE, 2019)
A história conturbada do Afeganistão todo mundo conhece. Dominado pelo governo talibã de 1996 a 2001, quando foi invadido pelos Estados Unidos, o país segue até hoje entre conflitos e insurgência dos que ocupavam o poder. A situação, obviamente, afetou a cultura local e o cinema foi um dos que mais sofreu com a paralisação artística. Sem filmes “de casa”, viu as telas serem tomadas por produções estrangeiras, em maior parte vindas de Bollywood. O Orfanato é um filme que está em dois lugares: o da apropriação e o da reconstrução.
Ao mesmo tempo em que usa a forma indiana de temperar suas histórias, aborda a realidade muito específica de seu país. É possível perceber tanto a vontade de demonstrar uma sociedade diferente daquela vista pelo resto do mundo quanto a vontade de incorporar novas linguagens. É como se as duas partes se complementassem, trazendo uma cadência diferente ao à exposição conhecida ou realidade ao fantasioso.
Ainda assim, mesmo que apostando no poder dessa quebra para a suavização, O Orfanato, por outros motivos, é um filme triste. Ele conta a história do jovem Qodrat, um vendedor de chaveiros ambulante apaixonado por cinema, detido após a tentativa de extorquir um homem e o recolhido em uma instituição para jovens órfãos. Assim como ele, vários outros têm o mesmo destino.
Assinado por Shahrbanoo Sadat, o longa vai estabelecendo, dentro do local, relações de amizade, paixão, companheirismo e tensão. E consegue criar um universo à parte, cercado pela guerra e por conflitos. Se por vezes a vivência ali não é das mais fáceis com a falta de esperança e perspectivas pessoais, nada se compara ao medo do que está lá fora e se aproxima.
O protagonista, vivido por Quodratollah Qadiri, é quem tem espaço no roteiro – escrito pela própria diretora, tomando como base os diários nunca publicados de Anwar Hashimi – para as inserções musicais tão conhecidas do cinema bollywoodiano. São clipes para definir seus sentimentos, sejam eles tristes ou felizes, que, ao mesmo tempo em que expõem, trazem uma forma de alento e de possibilidade de lidar com as questões da vida. Mas por ser algo tão próximo dos filmes do país vizinho, pelo menos para a nossa cultura narrativa, carece de organicidade.
Mas O Orfanato tem o seu carisma e valor justamente por criar uma linguagem popular em seu país, mas que transcende as fronteiras. Entre músicas e exageros, consegue dar atenção aos personagens e contar a história de uma Cabul e seus jovens, sempre à espera de algo. E, na maioria das vezes, algo que não é bom. O filme é a segunda parte da pentalogia iniciada por Wolf and Sheep.
Um grande momento
O adeus a Hasib.