Terror
Direção: Galder Gaztelu-Urrutia
Elenco: Ivan Massagué, Zorion Eguileor, Antonia San Juan, Emilio Buale, Alexandra Masangkay, Zihara Llana
Roteiro: David Desola, Pedro Rivero
Duração: 94 min.
Nota: 7
Deve ser ultrapassado e sentimental pedir que os filmes carreguem uma mensagem em sua narrativa. Se essa mensagem for positivada e altruísta, o resultado eventualmente esbarrará em didatismo prejudicial. E se essa mesma questão for gradativamente explicitada ao público até sobrar pouca sutileza ao material filmado com esmero? Apesar da introdução que poderia assegurar uma sessão desastrosa, O Poço é um curioso exercício de repetição em meio ao desesperador e sanguinolento caos proposto pelo diretor Galder Gatzelu-Urrutia.
A tal da solidariedade espontânea que acaba virando bordão por determinado tempo da produção é observada em caráter individual e citada através de Cervantes (“Dom Quixote de La Mancha”) e da Bíblia, ambos memorizados por seus personagens. Na prática, o filme mostra que a teoria é outra; se o modo ideal para comer todo dia seria dividir irmamente um banquete, como aplicar esse conceito entre quem nunca come, ou quem simplesmente vive de restos? O protagonista Goreng (vivido com vigor por Ivan Massagué) demora alguns meses até aprender que a saída do inferno pode ser uma rede de ajuda coletiva. Sendo o filme uma grande metáfora distópica, é de se esperar que o sangue escorra – a surpresa aqui é pela quantidade.
A produção espanhola parece beber em filmes como Cubo e Circle para reproduzir um estado de histeria e paranoia crescente em meio a um cenário inusitado e surreal, algo como uma prisão voluntária em formato de torre aparentemente interminável. Pela citação inicial bíblica, poderíamos imaginar uma alusão à Torre de Babel. Aqui no entanto a língua não é um problema, mas a falta de entendimento e diálogo existe; como perpetuar solidariedade num ambiente de polarização tão atual que o filme mostra e investiga.
Não dá pra negar a qualidade com que os valores de produção transformam a experiência. Como nos supracitados títulos referenciais, o trabalho de direção de arte e de decoração de set é de extremo minimalismo funcional, por isso tão impactante que se construa uma aura de neurose a partir daqueles parcos elementos cênicos, nos quais também se inserem os banquetes diários no qual temos acesso em diferentes estágios de acesso, desde praticamente intacto até um combo de diversas sobras. Essa atmosfera não é apenas ‘bonita’, como crucial para o desenvolvimento da estrutura cênica que permite a discussão que o filme propõe, também do encarceramento das ideias, tão perigosas a ponto de serem consideradas crimes.
Então o filme abre as espaço para essa dicotomia em relação ao pensamento livre. Você se encontra em situação de isolamento e crescente loucura se tenta observar não apenas o mundo à sua volta, como também o entendimento sobre o universo. Você também está condenado se é o único portador do conhecimento, se tem respostas aos questionamentos, se tenta pensar livremente e se encontra em si o resultado das equações que o mundo impõe. Em resumo, o filme joga para o universo da fantasia (como tantas vezes o cinema faz) o resultado do que já vemos na sociedade através dos tempos: mantem-se vivo quem se adequa a realidade, não quem a desafia.
Se além de promover o pensamento crítico, O Poço também entretém, intriga e incomoda, os ganhos promovidos pela estreia na direção de longas de Gatzelu-Urrutia são ainda maiores. Ainda que de maneira algo reiterativa, a parábola humana constituída por poucos personagens frequentes mas imerso em um pensamento social que abarca muito mais do que é visto funciona como válvula de escape rumo a barbárie do hoje. Vítimas de um confinamento que as obriga a obedecer uma pirâmide injusta e cíclica, quanto falta àqueles personagens serem vistos como reflexo do que estamos presenciando? Talvez nada.
Um Grande Momento:
A descida final.
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