- Gênero: Comédia
- Direção: Omar El Zohairy
- Roteiro: Ahmed Amer, Omar El Zohairy
- Elenco: Samy Bassouny, Mohamed Abd El Hady, Fady Mina Fawzy, Demyana Nassar, Abo Sefen Nabil Wesa
- Duração: 112 minutos
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Quando o circuito cinematográfico nacional irá receber outra produção egípcia depois da estreia de O Truque da Galinha, essa semana? Talvez o anterior tenha sido Yomeddine, e seu lançamento por aqui já ultrapassa os três anos. Bastante superior ao título de A.B. Shawky, ambos passaram pelo festival de Cannes com sucesso – esse aqui especialmente consagrado com a vitória na Semana da Crítica, no evento. Podemos então considerar que o festival tem chamado e difundido o cinema egípcio com alguma constância, e esses filmes eventualmente são vendidos, conforme sua aceitação por lá. Não faltam motivos, dessa vez, para que o Egito suscite interesse dentro da cinefilia, tendo essa produção que parte de uma situação curiosa para dar uma aula de contemporaneidade, dentro e fora de regimes autoritários.
O filme é a estreia na direção de Omar El Zohairy, assistente de direção do mestre Youssef Chahine, que parte dessa experiência gigantesca para qualquer, em uma estreia que tanto conversa com o presente, quanto com a criatividade que celebra um frescor em qualquer cinema. A ambientação da produção é toda calcada em um registro de naturalismo do país, e deve ser justamente nessa faixa que a premissa do filme encontre espaço para ousar, e até eventualmente divertir, em meio a um alerta sobre repressão do futuro, representado pelo espaço da mulher na sociedade. Se o espaço do fantástico pede licença para denunciar (nos dias de hoje) uma condição de subserviência social e matrimonial, a escolha pela tradição das imagens cria uma fricção bem-vinda.
A trama, que está em qualquer sinopse de jornal, ainda assim não precisa ser debruçada em uma crítica, ao menos não no seu gatilho, que é tão instigante. Mas cabe reforçar que O Truque da Galinha é um filme de exaltação sobre a reviravolta que realizamos nas adversidades, e no poder celebratório da consciência feminina, em meio a um machismo que, de tão evidente, nem se observa em problematização. Com apenas 34 anos, Zohairy compreende seu espaço geográfico como um campo aberto para a reconstrução de papéis sociais retrógrados. Seu papel como artista é questionar cada um dos valores que não estão na zona de discussão e refazer passos em direção a uma nova reserva de mercado, que estabeleça padrões menos competitivos e discriminatórios na sociedade atual.
Em cima de uma pauta progressista, O Truque da Galinha não coloca em cheque apenas valores arcaicos de uma fatia social menos urbanizada que segue preso a horrores anti-feministas. Sua protagonista feminina não precisa, diante do realismo mágico que se apresenta, redefinir seu papel social, enfrentando um mercado de trabalho que não a quer. O filme vai além e coloca o protagonista masculino à mercê de seus cuidados, em caso de necessidade extrema, onde a dependência muda de mãos de maneira incontornável. Em busca de uma nova ordem das coisas, o filme muda o poder de lugar no ambiente familiar, mas para isso também muda as responsabilidades e a forma como em cada sexo, esse mesmo poder adquire formas diferentes de provocar a ganância alheia.
Dentro de uma ideia conservadora de captura de imagens, mais propensa ao clássico e sem revirar seus planos de ideias mirabolantes, Zohairy emprega a ousadia no ponto de partida, e o mesmo já infecta toda a atmosfera perseguida. Por conta dessa premissa tão fora do comum, mesmo o tradicionalismo aplicado aqui já soa rejuvenescido por tantas vezes, só por acompanharmos uma situação tão peculiar. A partir dessa perspectiva, fica claro que o filme ousa no que tem a dizer para poder dizer de maneira mais clara; nesse sentido, cada uma das decisões de direção do filme, representam uma maneira menos óbvia de repetir que o mundo está mudando, mas que nada radical irá representar tão bem os novos tempos quanto o equilíbrio. Não há processo de mudança que não preveja uma dose de aceitação de pontos tradicionais para que sua assimilação seja construída com tranquilidade.
Dentro do formato escolhido por seu autor para encampar sua alegoria, O Truque da Galinha não debate apenas os modos de produção adequados a cada cinema, mas exatamente transfere a discussão de sua narrativa para esse cercado. É um processo de mudança de olhar para as ferramentas à disposição e como lidar com cada uma delas, para o sucesso do todo. É exatamente esse processo silencioso que passa a mãe de família cercada de machismo por todos os lados de seu filme, que precisa colocar na balança seu novo lugar de ordem e assim tentar passar despercebida em um mundo que rechaça o que não é masculino. Ao menos até esse masculino passar a usar penas.
Um grande momento
O truque do título