Crítica | Cinema

Oppenheimer

As marcas da bomba

(Oppenheimer, EUA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Christopher Nolan
  • Roteiro: Christopher Nolan
  • Elenco: Cillian Murphy, Emily Blunt, Matt Damon, Robert Downey Jr., Florence Pugh, Josh Hartnett, Casey Affleck, Rami Malek, Kenneth Branagh
  • Duração: 180 minutos

Talvez, para contar a história de Robert Oppenheimer, seja mesmo preciso uma certa dose de megalomania e, se essa é a condição, Christopher Nolan surge como um nome natural. Físico responsável por reunir as mentes mais brilhantes dos Estados Unidos em um projeto pretensioso que custou bilhões de dólares, criou e interligou cidades e mobilizou o país, resultando na criação da bomba atômica, a única disparada em um conflito armado e que dizimou centenas de milhares de vidas, Opperheimer tinha uma personalidade complexa, marcada por paixões, crenças, obsessões e arrependimentos.

Com um roteiro assinado pelo próprio diretor, baseado em livros do historiador Martin Sherwin e do jornalista Kai Bird, o longa percorre, em paralelo, dois momentos da história do cientista. Sua ascensão como “o pai da bomba atômica”, o homem que salvou os Estados Unidos e acabou com a Segunda Guerra Mundial; e sua derrocada, quando foi injustamente acusado de ser aliado da União Soviética e de ter facilitado o acesso de comunistas a dados sigilosos na construção de armas nucleares. O fio que une os eventos é o longo depoimento do próprio Oppenheimer (Cillian Murphy), e daqueles que testemunharam contra ele e a seu favor, à audência de segurança formada para o caso pela Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos (AEC).

Oppenheimer
Universal Pictures

De lá partimos para os primeiros anos do jovem e atormentado químico em busca de reconhecimento acadêmico, a descoberta da física e os primeiros contatos com nomes notáveis como Niels Bohr (Kenneth Branagh) e Werner Heisenberg (Matthias Schweighöfer). Sem que haja uma linearidade temporal, idas e voltas ao depoimento fazem com que a construção do trajeto de Oppenheimer seja entrecortado não apenas pela longa sessão que tira seu certificado de segurança e o exila academicamente, mas por um momento na história de um outro homem que esteve muito próximo a ele, Lewis Strauss (Robert Downey Jr.). O político, responsável por levar o cientistista à AEC e depois promover sua ruína, passa por uma sabatina no Senado para assumir o cargo de secretário do comércio.

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No melhor estilo Nolan de fazer filmes, é como se o diretor quisesse recriar o comportamento da bomba: busca-se a instabilidade para que as quebras vão ocorrendo em cadeia. E seria injusto dizer que as coisas não funcionam, mas também seria desonesto dizer que são eficientes o tempo todo. Há uma má distribuição bem evidente nos 180 minutos que ele tem para contar essa história e sua paixão pela ciência atrapalha o trajeto. Toda a primeira parte tem uma necessidade excessiva em tentar explicar teoricamente – algo recorrente na filmografia nolaniana – do que se trata a manipulação atômica. É divertido, e deve ser ainda mais para aqueles que são entendidos na área, ver como ele vai salteando as equações e explicações maçantes com nomes de físicos famosos; da mesma maneira como vai povoando seu filme com rostos de atores reconhecidos. Porém, nem mesmo as boas atuações, e aqui se pode destacar o trabalho de Murphy, Emily Blunt, Matt Damon e Downey Jr., nem todas as essas célebres citações são capazes de afastar o cansaço e, por vezes até, o desinteresse. Afinal, nem todo mundo gosta de física.

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À medida que Groves (Damon) e Strauss têm mais tempo de tela, o filme consegue se equilibrar e começa a ficar mais interessante. A definição de vilania vem nas cores e, ainda que não se entenda bem o que está acontecendo naquela linha de tempo em preto e branco, há muita coisa se desenvolvendo naquela outra onde estão o Projeto Manhattan e o escritório de Los Alamos. É quando o filme se separa, assim como o seu protagonista, entre ciência e política. A loucura militarizada, as preocupações e os ataques de ego, tudo vai se encaixando e caminhando rumo à tragédia de 6 de agosto de 1945. Nolan trabalha bem com esse descolamento da realidade e da humanidade que imperou e ainda existe nos Estados Unidos. De Oppenheimer, um antifascista que rompera com qualquer associação comunista por causa da ditadura de Stalin e que via na bomba atômica a única maneira de derrotar o nazismo, aos militares estadunidenses que querem mostrar o seu poderio bélico e sua supremacia ao resto do mundo, se estabelece uma complexa trama narcisista e de crença nessa superioridade fabricada e propagandeada. A mesma que se vê negligenciando os autoefeitos e as consequências da bomba em um delírio ufanista.

São contradições que o diretor ilustra bem, em seus momentos de maior criatividade audiovisual e liberação gráfica. A consciência grita na hora de fazer algo sobre a maior arma de destruição em massa e é bom que seja assim, mas ele ainda reproduz o cogumelo de fogo que estava ensaiando desde os primeiros momentos, manipulando a cena para que seja fiel e ainda assim produza os efeitos esperados. Resolvido o grande ponto, muitos outros estão pelo caminho e para um filme que já demorou tempo demais. Como fazer para que se volte depois disso? Não há como, mas Nolan insiste em fechar outras histórias que sobraram e, embora tenham vigor por seus elementos políticos, são pequenas demais diante de uma desgraça e um choque tão maior. E as soluções são apressadas, ditadas, gratuitas, em nada condizentes com tudo que se construiu até ali.

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Mas Oppenheimer, apesar do começo arrastado, do final apressado e de todos os pesares, vale pelo interesse genuíno em descobrir seu protagonista, por tentar transformar sua obsessão e suas contradições em algo tangível. Nolan exagera, passa da conta e se perde no tempo, e é grandioso, desmedido e intenso como, aqui, deveria ser.

Um grande momento
“Talvez nem tenha sido sobre você”

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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