- Gênero: Fantasia
- Direção: Léa Mysius
- Roteiro: Paul Guilhaume, Léa Mysius
- Elenco: Adèle Exarchopoulos, Swala Emati, Sally Dramé, Moustapha Mbengue, Patrick Bouchitey, Daphne Patakia, Hugo Dillon
- Duração: 103 minutos
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Os contos de fadas têm como característica sua mutabilidade, o fato de irem se transformando à medida em que vão sendo contados através dos tempos. Com elementos que se mantêm, seus personagens, mesmo preservados, assumem novas características e funções, e, em certos casos, estabelecem novas conexões com outros que se apresentam nas histórias. Porém, a ideia fantástica e metafórica que os envolve se mantém a mesma. Em Os Cinco Diabos, Léa Mysius, cria um conto moderno que mistura o mais tradicional a uma intrincada história de paradoxo temporal para falar do medo da perda e da não existência.
Aqui, era uma vez duas “princesas” que se apaixonam em uma pequena cidade nos alpes franceses. O amor proibido, que sofria resistência na cidade, seria vivido em sua plenitude com uma fuga, mas uma jovem bruxa usaria seus feitiços para que isso não acontecesse. Ou, era uma vez uma jovem bruxa que viu o seu reino ameaçado com a existência de uma forasteira e, usando sua magia, voltou no tempo para anular a interferência da mulher em sua história.
Da premissa básica, que não se estabelece de pronto e vai se apresentando ao público lentamente, à medida que o filme avança e por trechos nem sempre óbvios, Os Cinco Diabos é um dos mais interessantes exercícios de modernização de elementos fantásticos oriundos dos contos clássicos e dessas histórias. Justamente porque incorpora outros contos que nada têm daqueles tradicionais, e por trazer a modernidade das novas histórias, como, por exemplo, a possibilidade de uma ficção que parte da literatura e chega ao cinema.
Alegoricamente, fala do medo da ruptura, da inconstância natural de uma fase e da insegurança; de ciúme e sentimentos que só fazem sentindo em uma relação entre mãe e filha. O modo como apresenta as dinâmicas da dupla, explorando o cotidiano e a proximidade, destacando a contenção de uma e a admiração da outra como pontos que destacam suas personalidades é preciso. Enquanto Joana e Vicky são o foco, outros personagens interferem na relação. São eles Jimmy e Julia, pessoas que dividem o mesmo ambiente e representam a manutenção e a mudança, respectivamente.
Além do interesse no tratar o complexo tema familiar escondido na fábula fantástica, Mysius quer tocar ainda em outros temas atuais e urgentes. A trama de Os Cinco Diabos tenta trazer racismo, xenofobia, homofobia, alcoolismo, saúde mental e outras discussões. Até há boas cenas, doloridas, em especial quando Vicky interage com outras crianças, porém, não há o mesmo aprofundamento que se vê na relação maternal e ou a dedicação às histórias paralelas dos dois amores. E isso enfraquece discursos importantes, que seriam muito mais efetivos se não tão variados.
Para além da questão, é difícil não se deixar envolver pelo filme com seus elementos tão reconhecíveis – sejam eles clássicos ou não – e a coerência de sua história absurda. Contando uma Adèle Exarchopoulos contida e assustada, como pede sua personagem, e a pequena Sally Dramé marcante seja em ações cotidianas como nos momentos que precisam de reações mais extremas, Os Cinco Diabos chega onde gostaria, criando seu próprio conto e, como todo bom conto, ficando com o espectador por um bom tempo depois da exibição.
Um grande momento
Vendo pela primeira vez