Crítica | Streaming e VoD

Os Segredos de Madame Claude

Painel estético que se sobrepõem à narrativa

(Madame Claude, FRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Sylvie Verheyde
  • Roteiro: Sylvie Verheyde
  • Elenco: Karole Rocher, Roschdy Zem, Garance Marillier, Pierre Deladonchamps, Annabelle Belmondo, Hafsia Herzi, Joséphine de La Baume, Mylène Jampanoï
  • Duração: 112 minutos

A ideia de contar a vida de Fernande Grudet, codinome Madame Claude e também conhecida como a mais famosa cafetina francesa dos anos 1960 e que acabou por se tornar uma figura de enorme poder político da época, parecia algo que pedia a ser feito e, mesmo por isso, inevitável. . Uma mulher com poder adquirido lidando com questões essencialmente masculinas há mais de 50 anos tem, por si só, uma dose de empoderamento feminino do qual não podemos negar. Os Segredos de Madame Claude, nova produção da Netflix, lança a ambiguidade necessária a uma personagem que é repleta de camadas e contradições, abrindo uma discussão pertinente.

A diretora Sylvie Verheyde (de Confissões de um Jovem Apaixonado) tem experiência com períodos não-contemporâneos, e com isso consegue criar uma atmosfera muito particular a Os Segredos de Madame Claude, praticamente desenvolvido entre os anos 60 e 70, e com seus cuidados estéticos mantidos em todas as áreas, não apenas na decoração plástica. Também responsável pelo roteiro, a diretora cerca seu filme de um decoro particular que une o período retratado com uma liberdade que abrange o universo em si, que não é o do tradicional reconhecido, mas uma ligação intensa com o submundo, ainda que estritamente moral.

Os Segredos de Madame Claude

O cuidado com esse decoro de época e de costumes do universo já descrito é apresentado pela direção de arte e o figurino, de maneira acertada e pouco ostensiva (ou seja, sem o exagero de um Trapaça, por exemplo), com suas marcações pontuais, claras porém sem esganar a narrativa com firulas desnecessárias. Essa delicada extensão das necessidades da produção acabam se encaminhando também para o que é mecânico no fazer filme, ou seja, Sylvie se dedica também a expôr suas qualidades como autora ao remeter sua obra, com igual sutileza, aos movimentos de câmera e enquadramentos típicos da época, criando uma moldura estética na mesma.

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Indo de uma década a outro, compreendendo dois momentos históricos da França, e de um lugar de observação muito específico mesmo dentro da compreensão desse recorte de tempo, Os Segredos de Madame Claude é consciente das escolhas que toma, e tenta homenagear os dois períodos, especificamente o cinema feito na Europa entre essas duas décadas, nos tempos diferentes onde o filme encampa sua narrativa, abrindo o leque de fotografia (Leo Hinstin, responsável por Nocturama) e montagem para se aventurar nas referências imagéticas e de ritmo da época para brincar com as imagens da produção, com resultados bem charmosos.

O resultado (que já tinha sido ambicionado por Angelina Jolie em À Beira Mar, com resultados ainda superiores) é sentido pelo espectador, que é tragado para uma ideia de embalagem do material que não se assemelha ao que geralmente é feito no esquema de fábrica, tanto do cinema quanto da Netflix enquanto marca. Se o material não se sagra ainda superior, é porque estamos diante de uma biografia que tenta ousar esteticamente enquanto narrativamente segue os padrões do gênero, ao se deslocar por tempo, personagens, eventos e interiorização sempre dispersos do concreto, com os tradicionais saltos e as mudanças de temperatura narrativa que esfriam e aquecem o filme sem muita elaboração, dando o aspecto de correria já tanto visto.

Os Segredos de Madame Claude

O desenho dos personagens costuma sofrer nesses casos, e em efeito dominó, interpretações também. O envolvimento entre os personagens de Paul Hamy (de O Ornitólogo) e Hafzia Herzi (de O Segredo do Grão), por exemplo, não tem qualquer justificativa ou base, apenas é – e pronto; quando a palavra “amor” é utilizada pra justificá-lo, o espectador sente que perdeu algo. Ou muitos algos, como a dubiedade de Garance Marillier (a excelente protagonista de Raw), que nunca soa verídica ou inteligível. A protagonista, vivida por Karole Rocher (de Polissia), parece a única a quem o roteiro se dedica, mas é insuficiente para criar o painel completo que o filme claramente tenta montar, acertado em uns momentos e absorto nos tradicionais problemas de confecção de seu gênero em outros.

Aos poucos, toda a trajetória da protagonista, que compreende mais de 50 anos de vida pública rica e cheia de contratempos e reviravoltas, é diminuído pelo que acostumamos a ver, tramas políticas que não se fazem claras o suficiente e uma influência sobre a qual temos ciência porém não ambiência. E mesmo o viés feminista que o filme teria capacidade de abarcar acaba sendo suavizado a tal ponto que quase desaparece do quadro principal, e a ruptura moral que a personagem poderia fazer (uma mulher que conseguiu o empoderamento explorando outras mulheres?), não é debatido a contento, mesmo com todas as ferramentas à mão. 

Um grande momento
Madame Claude troca de roupas

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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