Brasília é feita de vazios. Em A sua imagem na minha caixa de correio, de Silvino Mendonça, esses espaços se tornam linguagem. Os pilotis, os cobogós, a arquitetura quadrada que ordena a cidade aparecem como cenário e metáfora de um cotidiano atravessado por ausências. É nesse espaço de silêncio que a memória encontra lugar para se reinventar.
O narrador, colecionador de uma revista de cinema, escreve e recebe cartas de outros leitores. A troca, mais que registro, é gesto de comunidade, de pertencimento. Nas páginas amareladas e nas cartas reconfiguradas em tela, o filme encontra não apenas vestígios de um tempo, mas também a possibilidade de reencontrar e reinscrever o afeto naquilo que parecia perdido.
Mendonça faz das imagens da revista e das cartas um material vivo. Elas não surgem como ilustração, mas como corpos em movimento, transformados e reorganizados pela montagem, pela leitura, pela história que se reconta. O resultado é um cinema que se constrói na fronteira entre documento e invenção, transformando arquivo em presença.
Brasília como cenário faz a experiência ter mais força. O concreto, os espaços de circulação, a rigidez geométrica convivem com a fluidez da voz e da lembrança. Há uma tensão entre o projeto modernista da cidade, racional e planejado, e a organicidade da memória afetiva. Essa fricção dá ao filme uma força política silenciosa, como se fosse possível ocupar os vazios urbanos com histórias íntimas.
A sua imagem na minha caixa de correio não é sobre um passado fixo, é sobre a possibilidade de reconfigurar esse passado a cada vez que se volta a ele. Com as cartas, as revistas e os espaços desertos da cidade, o filme revela que a ausência também pode ser matéria de vida.