Crítica | Festival

Pornomelancolia

Ascensão (profissional) e queda (emocional)

(Pornomelancolía, MEX, ARG, FRA, BRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Manuel Abramovich
  • Roteiro: Manuel Abramovich, Fernando Krapp, Pío Longo
  • Elenco: Lalo Santos, Adrian Zuki, Chacalito Regio, El Indio Brayan, Brandon Ley, Lothar Muller, Diablo, Delmar Ponce
  • Duração: 95 minutos

São as relações líquidas, e suas conquistas tão recentes, que estão em profunda crise para quem as vive, ou são as relações humanas mesmo que entraram em colapso? Parece que o ser vivente criou uma persona para viver nas redes sociais, e essa persona não conseguiu dar conta de dificuldades reais, do nosso mundinho ordinário mesmo, e está em vias de seguir um rumo novo, amalgamando duas personalidades para ser uma só. Pornomelancolia trata desse homem moderno que é muitas coisas: tem um desenho do mundo concreto, e um outro do mundo virtual, duas criaturas habitando o mesmo corpo. Quando nada mais está correspondendo ao que foi planejado mentalmente, esses universos entram em choque um com o outro.

O filme é a estreia em longa-metragem de Manuel Abramovich, que trabalha em um registro de risco, entre o documental e o ficcional. Não dá pra colocar uma pecha de documentário falso nele, porque seus personagens existem e são vividos por atores que estão na função real de suas vidas. Mas em cima desse lugar de observação da rotina desse protagonista, Lalo Santos, o diretor concebe uma narrativa que fornece material dramático ao longa, que contempla a nossa realidade atual. Só isso já é um passo na direção da metalinguagem, tendo em vista que Pornomelancolia se passa em uma região emocional onde se encontra ao menos uma parte do que se configurou como ‘influenciador digital’ – o que está em rumo de acontecer é o suficiente, e se queremos mais, o que queremos?

Pornomelancolia
Cortesia Festival Mix Brasil

O Lalo de Pornomelancolia é um cara em ascensão no que escolheu fazer para ganhar dinheiro (digamos assim), e em decadência emocional. As coisas parecem seguir rumo a um quadro onde esses dois caras irão colidir, só sobrando espaço para o que seria uma simbiose entre ambos. Enquanto tenta se equilibrar, sem sucesso, Lalo se transforma em um cometa de luz inebriante, de queda ainda mais espetacular. Esse homem que vende um estado de espírito em um lugar e uma profunda apatia entre quatro paredes, é um retrato do nosso tempo. Se debruçar sobre Lalo é alcançar uma conversa nada agradável entre um personagem e nós mesmos, em nossa ânsia de nos tornarmos relevantes para o mundo, que não liga pra você.

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A reflexão que emerge é a mais óbvia, estamos reféns de realidades inexistentes que são construídas com afinco. É uma cortina de fumaça para o que realmente somos, como na cena onde Lalo chama seus seguidores para uma festa em uma boate; duas motivações quase antagônicas em cena. Pornomelancolia fala sobre essa dicotomia entre o que somos e o que precisamos parecer ser, entre o que veem e o que realmente precisa ser enxergado para que a verdade apareça. No balanço das horas vazias, o que emerge é um estado de espírito que depõe contra o que está sendo vendido; um homem que não sabe onde quer chegar exatamente, mas que compreende que onde está não é bom. Uma satisfação que foi superestimada e nunca virá. 

Pornomelancolia
Cortesia Festival Mix Brasil

Apesar do excesso de nudez (bom, ao menos isso se configura como um problema para os homens héteros xiitas), Pornomelancolia não tem qualquer intenção de excitar o público. Um dos maiores problemas do filme, inclusive, está na percepção de que o roteiro se vale da exposição de seu título para se fazer valer. Ou seja, é um filme onde os elementos pornográficos e melancólicos, apontados pelo seu batismo, sublinham o filme e o resumem. É como se não precisássemos ter mais nenhum dado a respeito do mesmo, com o filme se contentando com a explanação das características. É uma pena, porque o filme tinha potencial para ampliar sua discussão a respeito do vazio provocado pelo mundo moderno e sua tentativa de ‘fakear’ as próprias dores nos instagrams da vida. O roteiro escrito a seis mãos não parece muito interessado em ir além de esclarecer as duas palavras inseridas no título em sua composição, e só. 

Com algumas sequências inspiradas que dão ao filme uma categoria que parece perdida por muitas vezes, Pornomelancolia tem no desempenho de Lalo Santos um charme plus. O ‘influencer sexual’ (como ele é denominado) não tinha experiência como ator e não se sai mal, na pele dessa versão de si mesmo. É uma figura que impressiona principalmente nos momentos onde os diretores pedem a ele para que mude suas intenções a cada nova cena gravada, quando ele tenta ser ator de fitas eróticas. Seu semblante segue vendendo a dualidade do título, e os argumentos de seu personagem encaminham a produção para esse buraco negro que separa a vida privada da vida púbica, que pode sugar tudo para sua imensidão. 

Um grande momento
Os homens e os cavalos

[30º Festival MixBrasil de Cultura da Diversidade]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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