No coração da Amazônia, as águas não apenas alagam, elas definem modos de vida, redesenham memórias e corroem resistências. É nesse cenário que Enquanto o Céu Não Me Espera, de Christiane Garcia, constrói a vida de Vicente, agricultor interpretado por Irandhir Santos, que insiste em permanecer no pedaço de terra herdado do pai, mesmo quando a enchente ameaça tudo ao redor.
O vínculo com o lugar e com a memória paterna dão corpo a Vicente, mas o filme logo desloca o eixo para a tragédia de Rita, sua esposa, que, em um plano, perde o filho mais velho. A dor poderia ser motor da personagem, mas ela logo se perde em uma adesão apressada a uma seita evangélica. O gesto que poderia se tornar comentário político sobre fé, miséria e abandono chega raso, sem organicidade.
O mesmo acontece com Gesiane, prostituta apresentada como possível anjo redentor. Sua presença poderia ser ambígua, se o roteiro não hesitasse entre alegoria e estereótipo. A personagem encarna a promessa de redenção e liberdade, mas a ela não é dado tempo e nem espaço. Fica suspensa entre a provocação e o esvaziamento, como se o filme temesse sua própria ousadia.
O olhar da diretora aposta nas paisagens e na composição estética para sustentar o peso da história. O cinza da água, o barro das margens e o céu pesado marcam a história. Tudo se inscreve em quadros calculados, que transformam a tragédia em espetáculo. A arquitetura da imagem engole a narrativa e o que poderia ser registro de resistência acaba domesticado por uma estilização que não permite fissuras.
Essa preocupação excessiva com a forma afasta o filme da matéria bruta que quer retratar. A cheia, em sua violência real, cede espaço à contemplação plástica. A dor, que deveria ser visceral, aparece encenada com distanciamento, como se a tragédia fosse um exercício de composição e não uma experiência. Não há espaço para a sujeira, para o descontrole, para a contradição, só para a imagem bem enquadrada.
Há momentos em que a força de Irandhir Santos rompe esse cálculo. Seu Vicente carrega nos olhos a exaustão de quem já perdeu antes, de quem teima e insiste. Mas mesmo essa entrega encontra limite diante de uma câmera que prefere a plasticidade ao risco. O humano se dilui no esforço de pintar o infortúnio com traços limpos.
Enquanto o Céu Não Me Espera tem um material poderoso, como a luta contra as águas, a memória familiar e a fé transformada pela perda. Porém, se perde ao trocar essa potência pela estética. O que poderia ser gesto político vira contemplação e o que poderia ser dor encarnada vira imagem calculada. Resta o vazio. Uma obra incapaz de sujar os pés na lama que filma.


