Crítica | Streaming e VoD

Peter Pan & Wendy

Magia entristecida

(Peter Pan & Wendy , EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Aventura
  • Direção: David Lowery
  • Roteiro: David Lowery, Toby Halbrooks
  • Elenco: Jude Law, Alexander Molony, Ever Anderson, Alyssa Wapanatâhk, Yara Shahidi, Jim Gaffigan, Joshua Pickering, Jacobi Jupe, Alan Tudyk, Molly Parker
  • Duração: 96 minutos

A Disney segue na intenção de refilmar, de maneira live-action, todos os seus clássicos animados; no fim do mês, já teremos A Pequena Sereia nos cinemas. Esse Peter Pan & Wendy não teve a mesma sorte de ganhar a tela grande e estreou há dois dias no Disney+ para alegria de… de quem mesmo? Não sei dizer a quantidade de afetados por essas produções, principalmente quando elas estreiam direto na plataforma de streaming deles. Afinal, também está lá o filme que está completando 70 anos em 2023, e que é reproduzido movimento por movimento na versão que David Lowery entregou. Não é como se não houvesse qualquer atualização; há. Mas o preço que se paga por esses detalhes talvez não seja o suficiente para assistir uma nova aventura, que não passa da mesma aventura. 

Lowery vem se firmando na investigação do fantástico, mergulhando cada vez mais em uma proposta que se aproxima da fabulação mesmo quando lida com uma ideia de naturalismo. A Disney já tinha empregado o diretor antes para esses fins (Meu Amigo Dragão) e seu filme anterior era uma ode à arte de contar histórias sob o prisma da fantasia; A Lenda do Cavaleiro Verde é uma obra que adquiriu culto por sintonizar essas ideias. Dentro do que esperamos, tanto do autor quanto da produtora, Peter Pan & Wendy faz todo o sentido, está em consonância com o que ambos esperam de um do outro. O que é entregue tem tanto a mão de ferro da Disney em querer controlar uma ideia de ‘copia e cola’ de seus produtos, quanto conversa com o universo em que Lowery vem se especializando e criando futuras referências. 

E veja bem, o diretor não está exclusivamente interessado em um modelo fantástico que cubra muitas vertentes. O que Lowery vem pesquisando tem a ver com uma ideia de contação de histórias com espectro na fantasia, ou seja, é uma representação básica da arte cinematográfica com viés extraordinário, que é uma situação sem limites para a imaginação. O conto de Peter Pan, desde a concepção de J. M. Barrie, já busca essas ligações e seus desdobramentos, partindo do princípio onde a imaginação nos permite fantasiar com o que nos aflige pessoalmente – porque precisamos crescer? A partir desse questionamento, então elaborar um universo onde nosso desejo permaneça intacto, ainda que a inevitabilidade dos fatos contorne mesmo a magia; não há escolha ao ciclo natural.

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Peter Pan & Wendy
Walt Disney Pictures

Essa é a base de qualquer versão da história, do livro original até a animação, passando pelo Hook de Spielberg, até as muitas versões que foram feitas nos últimos anos. Esse é um motivo pelo qual Peter Pan & Wendy não consegue nos empolgar com frequência, ou quase nunca. Já conhecemos os caminhos dos personagens, já sabemos quais as conclusões de cada reflexão, e a obra acaba se juntando aos tantos de outras obras que vêm sendo desgastadas por aí. A verdade é que não é todo dia que temos um Pinóquio como o de Guillermo Del Toro, que tem consciência do que precisa manter para evitar descaracterização, mas que compreende que um decalque não conversa com ninguém. Tentando ser o mais fiel possível com toques sutis de atualização, o filme acaba se tornando desnecessário.

Muitas vezes, parecemos estar assistindo a um espelho. E nem precisamos ir muito longe na memória, porque o Peter Pan original é muito marcante, tem imagens que ficaram muito forte graficamente, então rever a rodadinha de Peter durante o voo, o surgimento do ‘vilão do vilão’, o crocodilo, também é demarcado com muita repetição, mesmo a reta inicial onde vemos Wendy em família soa todo como algo já visto. E, o pior de tudo, não há uma onda sedutora que circunde essas imagens; o sentimento é o da burocracia, que parece correr solta pela produção. O elenco parece apenas estar em cena, e o Capitão Gancho de Jude Law não representa perigo, melancolia ou traço empático qualquer. O pior é que isso também é uma marca de Alexander Molony, o Pan mais apático que já vimos; nada no personagem parece imprimir alegria, força ou a vibração que imaginamos, apenas um profundo cansaço. 

Ao reimaginar um clássico, a nova versão deve tentar realizar com quem novas questões sejam incorporadas às eternas, e nos agregar predicados que ressoem de maneira positiva na tela. Por mais que a trama original nos transporte para uma ideia de perda de inocência através de uma ideia de realismo em justaposição ao mágico, Peter Pan & Wendy, com suas cores ocres e seu visual quase depressivo, é capaz de deixar o espectador mais triste ao fim do que quando começa. É uma obra que não tem a vivacidade do original em quase nada, apenas uma tentativa de emular uma atmosfera real ao que o lúdico não consegue abarcar. No fim do percurso, o espectador ainda reclama do desfecho dado aos personagens centrais da narrativa; eu, particularmente, gostei. Conversa com os valores que a Disney propõe, parece enfim um filme com disposição para o encantamento e a transmutação graças ao fantástico – acho adequado e empolgante. Pena que é, literalmente, o último minuto do filme. 

Um grande momento

O último minuto

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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