Crítica | Festival

Bye Bye Brasil

Mudança e permanência

(Bye Bye Brasil, BRA, 1980)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Carlos Diegues
  • Roteiro: Carlos Diegues, Leopoldo Serran
  • Elenco: José Wilker, Betty Faria, Fábio Jr., Zaira Zambelli, Príncipe Nabor
  • Duração: 100 minutos

A Caravana Rolidei chega trazendo mágica, dança, feitiço barato, mas suficiente para encantar os olhos de quem nunca viu televisão. Lorde Cigano conduz o espetáculo com o sorriso treinado de quem domina o ofício; Salomé gira o corpo como quem conhece o poder do desejo; Andorinha repete o número como quem sabe que o tempo não espera.

Mas a estrada não é só caminho, é destino. O sertão se abre em poeira, as pequenas cidades se anunciam tímidas, e no horizonte os postes de energia anunciam outro espetáculo. Quando Ciço e Dasdô se juntam à trupe, o filme encontra seu contraponto: existe uma juventude que sonha com futuro (sem deixar de ser apaixonado pelo que passou), enquanto os artistas sobrevivem de um passado que está prestes a se perder.

José Wilker dá a Lorde Cigano um carisma cansado, um brilho que já começa a se apagar. Betty Faria faz de Salomé a chama mais viva da Caravana, corpo que dança, mas que também se desgasta no caminho. E o casal sertanejo surge como lembrança de que o futuro, por mais promissor que seja, também carrega seu desencanto.

Cacá Diegues filma a travessia da trupe com doçura e melancolia. O humor existe, mas é sempre sombra de uma perda. Cada feira, cada povoado, cada barraco de madeira se converte em registro de um Brasil prestes a se transformar. E não há nostalgia ingênua, há apenas o reconhecimento de que todo encantamento tem prazo de validade.

A fotografia de Lauro Escorel imprime esse país em mutação com imagens que parecem documento: o calor do asfalto, a poeira que se infiltra em tudo, os postes de luz que cortam o céu como promessa e ameaça. A trilha de Chico Buarque é ironia doce: “Bye Bye Brasil” soa como canto de despedida e aviso, crônica em forma de canção.

No fim, fica a sensação de estar sempre em trânsito, como se o Brasil nunca chegasse a lugar algum. A Caravana Rolidei segue, se transforma também, mas o país que ela deixa para trás não desaparece: apenas muda de cenário, troca de roupa e repete velhas contradições.

Um grande momento
A escolha de Salomé

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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