Crítica | Festival

Precisamos Falar

Perdido no estereótipo

(Precisamos Falar, BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Rebeca Diniz, Pedro Waddington
  • Roteiro: Sérgio Goldenberg
  • Elenco: Marjorie Estiano, Hermila Guedes, Alexandre Nero, Thiago Voltolini, Emílio de Mello, Cauê Campos, Guilherme Cabral, Junior Vieira
  • Duração: 101 minutos

Bons atores e uma premissa que poderia render alguma tensão. Precisamos Falar, filme de Rebeca Diniz e Pedro Waddington, é uma crítica à crise ética pela qual passa a sociedade, mas não resiste à um problema comum em construções narrativas da atualidade: a estereotipização de seus personagens. Vivendo em um país polarizado, representações genéricas de personagens ideologicamente alinhados à direita ou à extrema-direita (e isso vale da mesma maneira para produções direitistas), tendem a enfraquecer qualquer trama.

O filme conta a história de dois adolescentes que, em uma noite, encontram uma moradora de rua dormindo em um caixa eletrônico e resolvem maltratá-la. Depois de a humilharem, eles explodem o local, matando-a. O pai de um deles está prestes a se eleger governador do estado, enquanto o outro, seu irmão professor, está afastado do emprego por ter se envolvido em uma discussão com uma aluna e ter se manifestado contra a política de cotas. Nada é sutil e se há alguma tensão em uma das famílias, alguma tentativa de gerar o conflito moral, tudo acontece de forma muito gratuita na outra, o que deixa explĩcita a intenção do filme.

E isso é reforçado à exaustão. Como se o roteiro de Sérgio Goldenberg inspirado em ‘O Jantar”, de Herman Koch, não repetisse discursos batidos de redes sociais a todo momento, atos de conivência se acumulassem em tela e até mesmo aquele objeto que se tornou uma marca registrada de pessoas com o mesmo perfil aparecesse para finalizar a trama, o quadro com os dizeres “Direitos humanos para humanos direitos” está ali na parede explicando a mensagem para quem não entendeu. Não precisa, não funciona. Há projetos em que tons extremados servem para fins narrativos específicos e o maniqueísmo é cabível, mas se o que se busca é uma trama realista, isso não faz tanto sentido.

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Pessoas são, por natureza, complexas e para que a crítica realmente funcione é preciso que essas pessoas estejam próximas dessa realidade. A polarização é um fato na sociedade brasileira e é impossível pensar em alguém que só conviva com pessoas de igual alinhamento ideológico. Assim, hoje mais do que nunca, todos sabem que as nuances independem de posicionamento político. Mesmo que se reprove atitudes e se queira destacar comportamentos, seguir retratando personagens dessa maneira não contribui para que se alcance o objetivo final de crítica e denúncia.

Ainda assim, o elenco está muito bem em cena. Marjorie Estiano e Alexandre Nero se destacam como os pais da família de ética ou moral duvidosas, em especial quando fogem do tom mais grave e se encontram em momentos pontuais, criando um ritmo próprio. Pena que isso está perdido ali no meio e é algo que cai tão bem que fica a dúvida se essa não era a chave que deveria ter sido adotada para Precisamos Falar. Talvez chegasse mais longe.

Um grande momento
A boca

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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