- Gênero: Drama
- Direção: Jean-Gabriel Périot
- Roteiro: Jean-Gabriel Périot
- Elenco: Adèle Haenel
- Duração: 83 minutos
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“Minha mãe não sonhava com riqueza mas com luz e liberdade”
Biógrafo de Michel Foucault, talvez o mais citado e menos conhecido filósofo francês da contemporaneidade, o também filósofo Didier Eribon escreveu “Regresso a Reims” como uma forma de rememorar sua vida e apaziguar questões que remontam a 30 anos no passado, da origem proletária, das dores da inadequação, em especial com relação as figuras masculinas da família, e também fazer uma análise sociológica sobre como a própria sociedade francesa trata e enxerga sua camada a camada mais robusta e explorada de sua população.
Das profundezas da capacidade de sacar a estratégia de tessitura documental acertada, sintética – em pouco mais de 80 minutos – o cineasta Jean-Gabriel Périot se inspira nas memórias e no texto autobiográfico de Eribon para propor, dentro do cinema de invenção, uma evocação da luta e da própria historiografia francesa enfocando a vivência do proletariado. Os recursos narrativos explorados para tanto, por Périot a partir de Eribon, vasculhando, classificando e pincelando fotografias, paisagens visuais e sonoras para compor extratos e a partir destes, conceber a transposição fílmica que é Regresso a Reims.
Herança “Duras”
E Eribon tinha uma grande admiração e relação de amizade com Marguerite Duras, escritora e cineasta que transmutou literatura e linguagem fílmica em As Mãos Negativas e Son nom de Venise dans Calcutta désert, experimentos audiovisuais ou fragmentos caídos com os quais ela escrevia imagens para dar unidade dramática a obras de cinema subversivo em sua forma e textualidade. Para evocar o esprit du temps e também incorporar uma voz humana, a atriz Adèle Haenel é Eribon ou outra filha do proletariado, que reflete e faz evocações em off, tergiversando entre pessoal e político numa travessia de sessenta anos pela história e memória francesas.
E a tessitura de Regresso a Reims se dá por reminiscências que na configuração do documentário de ensaio Périot traduz em seis movimentos; alocados nos integrantes da família da personagem vivida/fabulada por Haenel com citações do livro de Eribon, da mãe que nasceu da avó expulsa de casa por ter sido mãe na adolescência, depois acusada de ser amante e informante de um soldado alemão e sendo uma das “poulesas bouches” – publicamente humilhadas com o cabelo sendo raspado por supostamente trair a pátria. Da mãe e avó paterna, por onde transcorrem os movimentos 3 e 4, o trabalho doméstico se confunde com o emprego formal, levando à exaustão e à depressão. Não poder estudar, trabalhar até morrer, não conseguir conhecer o mundo para além das paredes das fábricas ou do espaço da casa frustrou aquelas mulheres cuja verdade se estaria em imagens estáticas com advento da invenção da narração, montagem, trilha e condução do documentarista.
Regresso a Reims vai assim, sem grandes arroubos artísticos ou intelectuais, mesmo que ainda dialogando com Crônica de um Verão (de Jean Rouch e Edgar Morin) arrebatando quem o assiste. A atriz-narradora é a filha que representa a geração mais nova, que outra vida escolheu e que, ao observar a cidade e acessar suas reminescentes lembranças, de um passado glorioso onde reis ali foram coroados, champanhes famosos criados, batalhas foram travadas em Campos e chãos de fábricas, modula a voz e conclui que é o que feito está. Se não fosse esse o Regresso a Reims, se raízes ali tivesse fincado de forma a não tentar alçar voos outros que as mulheres de sua família não conseguiram, não teria tão densa reflexão, relato e memória a evocar e partilhar na forma de ensaio fílmico.
Um grande momento
Movimento 5