Crítica | CinemaDestaque

Extermínio: A Evolução

Até os ossos

(28 Years Later , GBR, EUA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Terror, Drama
  • Direção: Danny Boyle
  • Roteiro: Alex Garland
  • Elenco: Alfie Williams, Jodie Comer, Ralph Fiennes, Aaron Taylor-Johnson, Amy Cameron, Jack O'Connell
  • Duração: 115 minutos

Pode parecer exagero, à primeira vista, comunicar sobre a profunda sensibilidade e emoção que estão asseguradas a algo como Extermínio: A Evolução, mas com pouco esforço percebe-se o caminho para se chegar ao humano, dentro de uma franquia a respeito de uma invasão zumbi. Aliás, o que poderia ser mais palpável do que nossa relação com a perda da consciência, talvez muito pior que a morte simples, e a dor de reconhecer o fim? Há 23 anos, o diretor Danny Boyle e o roteirista Alex Garland mostraram que existia uma possibilidade de construir uma obra gore que ainda se comunicasse com códigos familiares, e com a ausência absoluta deles quando o pior acontecesse. No caso esse pior é ressignificado na hoje cinessérie – a morte é um capítulo de muito menor dor por aqui. 

Boyle e Garland estão de volta a série depois do primeiro, entre muitas coisas e muitos outros filmes, ganhar o Oscar (Quem Quer ser um Milionário?) e o segundo tornar-se diretor (Ex-Machina e Guerra Civil). Eles conseguem trazer de volta a uma série que estava quase esquecida, o mesmo clima de tensão e desesperança, aliado a uma melancolia profunda a tudo que estava sendo perdido pelos eventos do filme. Os filmes acabaram ganhando uma moldura de culto e fãs que se alastraram, então é fácil de se imaginar que o sucesso do novo filme já esteja garantido. Mas o respeito pelo espírito da base, a manutenção do que foi construído naquela ideia despretensiosa, é uma das muitas qualidades de Extermínio: A Evolução

O filme nos envolve, mais uma vez, na base de sua pirâmide: uma família que se refugiou em uma ilha após o apocalipse começar; lá, eles vivem há quase 28 anos, como o título original entrega. É a partir desse núcleo (pai, mãe e filho pequeno) que Extermínio: A Evolução cria raízes com o espectador, porque nos importamos com o que move aquelas pessoas. O filme não se interessa por esclarecer as dinâmicas de proteção da ilha, e esse caráter menos didático é o melhor a ser feito pela produção; importa mais o humano e menos o mecânico. Nada é “apresentado” pelo filme, e sim somos convidados a adentrar em um universo em movimento, sem precisar que sejamos levados até um manual de instruções. 

O que importa, para além dessa base narrativa muito bem construída por Garland e defendida por um elenco de sonho, é a mãe de Boyle, que continua imbatível. Sua parceria com o fotógrafo Anthony Dod Mantle (que, além de ganhar o Oscar junto com o cineasta, ainda foi responsável pelos clássicos Anticristo e Melancolia) é algo a não se perder mesmo. Ambos bolaram uma maneira de perceber a estética da produção adaptando imagens conseguidas através de iphones nos momentos mais angustiantes de Extermínio: A Evolução, e com isso traduzindo a urgência do universo. Isso tudo sem perder as melhores sequências possíveis que são as características do cineasta, em campos abertos que traduzem a expansão do universo, e nos aproxima de uma beleza que está sempre prestes a ser perdida. 

Não que isso seja incomum, mas Boyle não impede que seu filme esteja adornado por extremos, de agudezas diferentes. Existem momentos onde o gore incomoda, assim como a beleza estética da geografia dos espaços. Existe também lugares inesperados, como o visual dos zumbis alfa, que são seres maiores que os demais e cujos órgãos sexuais estão constantemente à mostra, além da exploração que um certo plot twist é reservado ao fim do filme, na expectativa de uma continuação já rodada – Extermínio: Templo dos Ossos, programado para ano que vem. Existem reclamações quanto ao teor, digamos, fora dos padrões dessas aparições; aqui, olho para esses momentos como impulsos calculados para o exagero, que cabem em um universo que se abre para essa estética rasgada, cada vez mais. 

Em determinado momento, a conexão do espectador é tamanha, que aos mais sensíveis não restarão outra opção. É muito curioso que Boyle tenha chegado a esse comprometimento coletivo, onde tudo tenha dado certo, em lugares tão díspares de gênero e compreensão, que um filme de teor gore provoque a mais profunda emoção. É preciso também que se coloque na conta do talento espantoso de Alfie Williams, o pequeno protagonista, que mesmo ao lado de Jodie Comer, Aaron Taylor-Johnson e Ralph Fiennes (os três excelentes), ainda consegue ser maior. É a sua entrega que nos aprisiona na emoção de Extermínio: A Evolução e garante nosso retorno empolgado já ano que vem, para o próximo episódio. 

Atentem para a utilização de imagens do passado e de um áudio, igualmente antigo, da leitura de um poema, ‘Boots’ de Rudyard Kipling, que permeiam a narrativa. Os tempos de Extermínio: A Evolução são de retrocesso das relações, da perda dos exemplos, da regressão do material humano e bélico; tais imagens, tanto as de arquivo quanto as do Henrique V do Laurence Olivier, unida a leitura constante do implacável poema, carregam o espectador e os personagens para uma viagem no tempo, onde nada mais é o que se espera. Estamos diante da derrota coletiva, de uma tensão primitiva diante do que não se pode ter mais; o que Boyle se encarrega de conseguir é uma certeza sentimental para a salvação, daquelas que mostram como o espírito virá ainda antes que o sangue e a carne.

Um grande momento
“Escolha o lugar mais especial” 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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