(El practicante, ESP, 2020)
Um suspense dos mais convencionais, daqueles já vistos tantas vezes em tantas nacionalidades diferentes há tantos anos, é o que Carles Torras entrega nesse Remédio Amargo, produção espanhola que acaba de estrear na Netflix para cumprir uma cota de passatempo antiquado à programação não apenas do serviço de streaming quanto do espectador que se aventurar por essas bandas. Se nos anos 1990 tivemos o capricho de filme como Instinto Selvagem e Mulher Solteira Procura para representar um gênero, não podemos dizer que qualquer mérito vaze da produção que não pertença a Mario Casas.
Inexplicavelmente escrito há seis mãos, já que o material apresentado poderia facilmente ser elaborado por uma criança, o filme é um estudo de personagem que observa um personagem desagrádavel ao extremo, apresentado sem qualquer traço mínimo de qualidades – ou seja, um poço estereotipado de inúmeros defeitos elencados sem qualquer sutileza: grosseiro, mal educado, abusivo com sua namorada, antipático com seu vizinho idoso, cleptomaníaco, insensível… é difícil encontrar qualquer ponto positivo no sujeito. Ah, ele é um ótimo profissional de saúde, trabalhando em resgates de ambulância, Até sofrer um acidente, perder o movimento das pernas e restar somente os defeitos.
Torras apresenta esse homem acompanhado de um ambiente continuamente soturno, uma trilha opressiva que transforma a experiência toda em algo doentia e cada vez mais desagrádavel. Nos filmes do gênero produzidos há 30 anos atrás, se temos uma Rebecca DeMornay de um lado como a babá Peyton em A Mão que Balança o Berço, de outro temos Annabella Sciorra e sua família perfeita para torcemos em contraponto. Em Remédio Amargo, Ángel é o protagonista absoluto e sua noiva Vanessa (que sofre todo tipo de abuso ao lado dele, antes e depois do acidente) tem sua trajetória sem qualquer especificação fora do ambiente controlado por um homem abjeto. Logo, a produção em si não nos provoca qualquer empatia ou mínimo prazer.
Em Na Próxima, Acerto o Coração, o diretor e roteirista Cedric Anger nos conduz pela doentia mente de Franck, que ao contrário de Ángel. é repleto de camadas que o complexificam enquanto personagem, não apenas o enriquecendo como também ao filme, que habita uma zona de descobertas a respeito de seu protagonista, além da melancolia constante. Aqui, o clima é de suspense e de desespero sim, mas nada adquire credibilidade graças a um roteiro assolado em clichês e reviravoltas patéticas, que além de estereotipar seus personagens ainda une os focos de ação do protagonista a um denominador comum, forçado e implausível.
Ao tirar qualquer sintoma de humanidade de seu protagonista, transforma-lo numa espécie de psicopata que não deixa nada a dever a congêneres de fitas descartáveis de terror norte-americanas e se utilizar de uma montagem elíptica ao final que não faz qualquer sentido (porque o filme não avança nessa direção em nenhum momento até então), Remédio Amargo perde gradativamente até o interesse pelo louvável esforço de seu protagonista na criação de um tipo tão asqueroso, mas profundamente imersivo em cada expressão de seu ator, que troca de lado e deixa claro seus recursos e sua entrega – prestem atenção na cena onde ele coloca um disco de Edith Piaf pra tocar.
Casas, um galã que durante muito tempo teve seu talento restrito à beleza que não exigia qualquer construção dramática, está aqui nunca menos que asqueroso. Emagreceu muito e com isso perdeu o brilho que normalmente tem, e desfila na tela um arsenal de expressões das mais nojentas, adquirindo portanto a aparência e a fisicalidade necessária a um homem horripilante, Mesmo com um clímax que finalmente mostra a potencialidade do seu diretor, é imperdoável o que é feito com uma atriz de tantos recursos como Deborah François (de A Criança), ainda que ela também brilhe uns 10 minutos finais; é pouco para o que ela já apresentou antes e para um ator tão dedicado e visceral como o que Casas se mostra aqui.
Um grande momento
A escadaria final