Crítica | Outras metragens

República

(República, BRA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Experimental
  • Direção: Grace Passô
  • Roteiro: Grace Passô
  • Elenco: Grace Passô
  • Duração: 16 minutos

Atriz, autora e diretora de teatro. Grace Passô talvez seja hoje um símbolo das capacidades de um artista de se testar, de se desafiar e de alcançar espaços cada vez mais expandidos dentro de sua área. Em todos os lugares por onde avança, Grace parece ter como meta se elevar e se completar, reunindo sempre novas modalidades de amplitude artística e compreensão de seu papel na representação do estado da arte hoje. Ao mesmo tempo completa e em profunda ressignificação do seu lugar em sua seara, no meio da crise provocada pela pandemia global do COVID-19, Grace mais uma vez se coloca em destaque ao responder à pressão com arte e reflexão em República

Fruto da parceria com a fotógrafa Wilssa Esser que a iluminou em Temporada, a premiada mineira viu, no pedido do Instituto Moreira Salles por uma obra nascida das impossibilidades pela reclusão provocada com a quarentena, uma fonte de inspiração que não apenas reflete seu estado de elevado teor criativo como, generosa como toda grande artista, se debruça sobre o estado das coisas no país e acaba por conversar com sua aldeia da maneira mais ampla possível. De repente, o curta-metragem que poderia ser uma peça despretensiosa e amena nos arremessa para um olhar lúdico e feroz sobre as estranhas do Brasil. 

Grace Passô em República

Delírio e sanidade montam a parábola que Grace desenhou, como o despertar para um sonho no qual estamos todos inseridos enquanto nação. Durante o tempo em que a realidade desaparece das ruas desertas, deixando livres os espíritos catalisadores do nosso imaginário, internamente, Grace acorda para descobrir que nada do que temos é concreto. E se nada ao nosso redor existe, porque não tornar cada gesto em potência discursiva para experimentar uma saída feliz para nossas mazelas? Se nada do que nos rodeia é palpável, então a saída talvez seja recriar esse projeto de Estado para que, no futuro, nossos sonhos possam virar melhores realidades. 

Apoie o Cenas

Refletindo da maneira mais radical possível, República dá nova camada ao profundo trabalho  de Grace, por uma espécie de material não-palpável que remonta o concreto, e que ela investiga em sua arte. Se em Vaga Carne (texto teatral premiado que a autora levou ao cinema com igual excelência) a voz humana exigia materialidade, agora é a vez do sonho cobrar por um espaço de concretude em meio a um caos nunca antes experimentado. Com o manancial de talento que não cansa de explorar, Grace desconhece a expressão “zona de conforto” e repagina sua relação com o abstrato ao criar um petardo político sem qualquer panfleto construído em cima das restrições momentâneas que incluem o enclausuramento atual. 

República (2020), de Grace Passô

As mesmas impossibilidades que cerceiam República também alimentam a criatividade de sua autora. O trabalho de captação de luz e som, embora conseguidos de maneira simplificada, em tela não ficam nada a dever a produções realizadas com ampla liberdade. A parceria com Wilssa, que já tinha sido evidenciada no premiado filme de André Novais Oliveira, aqui se torna essencial para a criação de um universo híbrido entre o naturalismo e a fábula visual imaginada por Grace e é posta em ação no trabalho conjunto de ambas, que avançam pelo material cada vez mais distante do coloquial, rumo a um delirante imaginário que hoje é o sonho de tantos. 

Enquanto a atriz Grace continua nos fascinando com sua entrega que mescla veracidade absoluta com uma pitada alegórica perfeita, a autora Grace se interessa por apontar lugares por onde o Brasil se esgueira hoje: entre a injustiça e o medo, entre o estado de sonho e a concretude do real, entre a participação como testemunha ocular e a motivação direta no olho do furacão, Grace se coloca como espectadora passiva e ativa, o lugar ambíguo onde o próprio brasileiro está hoje – ao mesmo tempo de longe, mas percebendo a ação chegar cada vez mais rápido, quando teremos de nos posicionar. Grace Passô já tomou posição, e está na linha de frente em apontar um renovado lugar da Arte hoje, em escolha frontal para os próximos capítulos como cidadã e como artista. 

Um Grande Momento:
“O Brasil é um sonho”

República” faz parte do Programa Convida

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
Botão Voltar ao topo