Crítica | Cinema

Disco Boy – Choque entre Mundos

(Disco Boy, FRA, BEL, ITA, POL, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Giacomo Abbruzzese
  • Roteiro: Giacomo Abbruzzese
  • Elenco: Franz Rogowski, Morr Ndiaye, Laetitia Ky, Leon Lucev, Robert Wieckiewicz, Matteo Olivetti, Michal Balicki
  • Duração: 90 minutos

As intenções que cercam Disco Boy não poderiam ser melhores, a inspiração telepática também é de primeira linha, o elenco à disposição é uma mistura de acertada experimentação com uma experiência bem dosada, mas na contramão do que era esperado, o filme não consegue se provar eficaz no que realiza, ao menos não na força que imagina ter. Com alguém como Franz Rogowski (de Em Trânsito) no centro da narrativa, o filme não o delimita e o ator esbanja conexão com o espectador desde o início. A câmera é muito apaixonada por ele, e seu magnetismo natural transforma qualquer plano em algo especial; um super close de seus olhos fixados em uma janela é responsável por trazer ao filme uma carga dramática inacreditável. Sim, um simples olhar pela janela. 

O diretor Giacomo Abbruzzese estreia na direção de longas com esse filme exibido no Festival de Berlim deste ano, e que aporta aqui antes no Olhar de Cinema. Não é uma questão de inexperiência imagética, porque ele tem a sua disposição Helene Louvart, a fotógrafa francesa responsável por A Vida Invisível; isso já credita seu filme a uma espécie de reconhecimento. O problema é em como ele desenvolve a narrativa propriamente dita mesmo, no roteiro escrito a seis mãos. Há uma vontade de criticar as práticas colonialistas de franceses para com os países africanos que dominou, mas ainda que verdadeiramente isso deva ser abordado e condenado, a forma como o roteiro faz aqui, com uma espécie de descaso gradativo, é quase um desserviço. 

Utilizando dois universos que correm em paralelo até se cruzar, o filme mostra um rapaz bielo-russo que chega à França disposto a entrar na Legião Estrangeira e conseguir um visto permanente em 5 anos. Na Nigéria, o líder rebelde disposto a derrubar o governo autoritário conta os causos de sua irmã, uma jovem disposta a decidir o próprio destino. Disco Boy se dedica muito pouco a segunda história para que sequer possamos chamar Jommo de co-protagonista, e com isso sua intencionalidade desce pelo ralo, já que o foco é verdadeiramente de Aleksei, um homem que absorve com facilidade as dores do mundo. Seu contato com Jommo irá literalmente mudar a vida de ambos, que estarão a partir desse momento intrinsecamente ligados. 

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Abbruzzese não consegue dar rumo a história de Jommo e sua irmã, cujo sonho é dançar em Paris. O olhar para outra cultura não chega a ser objetificante, mas com a pequena parcela do que deveria e poderia fazer, Disco Boy mantém no escuro o povo que, aparentemente, ele gostaria de honrar. Seu modelo de esfera engana parte do espectador por um tempo, mas quando percebemos que seu interesse por aquela cultura era superficial, apenas o suficiente para conseguir um gancho narrativo, o filme se revela. E na verdade, é apenas mais um caso de ‘pessoa preta disponibilizada pela narrativa para salvar moralmente a branca’; a forma como isso é feito vai além do que uma obra problemática como Green Book faz, porque aqui a base é um sacrifício humano. Se, ao final, a pele não é objetificada, talvez a conformidade com que passeia por essa narrativa o seja.

Fora isso, o diretor afirma não ter visto o seminal Bom Trabalho, de Claire Denis, antes de escrever o roteiro, e por isso não teria se inspirado nele. O estranho é que Disco Boy recria uma narrativa como se fora inspirada e homenageando o original, cujo desfecho é uma lembrança clara do final de Denis Lavant. Ainda que todas histórias já tenham sido contadas e perpetuadas, esteticamente toda a comunicação de Abbruzzese é compreendida, mas suas questões narrativas revelam descuido com o tratamento com os personagens pretos e principalmente suas origens. No entanto, enquanto está com a narrativa ao seu favor, Rogowski entrega uma performance tão conectada ao que está contando, que ficamos um pouco menos incomodados. 

Um grande momento
Sensor de calor na guerra

[12º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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