Crítica | Streaming e VoD

Revolução em Dagenham

(Made in Dagenham, GBR, 2010)

Comédia
Direção: Nigel Cole
Elenco: Sally Hawkins, Andrea Riseborough, Jaime Winstone, Lorraine Stanley, Nicola Duffett, Geraldine James, Bob Hoskins, Matthew Aubrey, Daniel Mays, Roger Lloyd-Pack, Phil Cornwell, Karen Seacombe, Thomas Arnold, Andrew Lincoln, Rosamund Pike, Joseph Mawle, Kenneth Cranham, Gina Bramhill, Marcus Hutton, Rupert Graves, Miranda Richardson
Roteiro: William Ivory
Duração: 113 min.
Nota: 7 ★★★★★★★☆☆☆

Reza a lenda que em 8 de março de 1857, aproximadamente 130 operárias de uma fábrica têxtil em Nova Iorque resolveram reivindicar por mais dignidade no trabalho. Elas cumpriam uma carga horária de dezesseis horas diárias e recebiam um terço do salário pago aos homens. Por isso entraram em greve e tomaram a fábrica onde trabalhavam. Lá teriam sido trancadas e morreriam em um incêndio. Pesquisadores afirmam que a tragédia nunca ocorreu.

Porém, jornais relatam que em 29 de março de 1911, houve um incêndio em uma fábrica têxtil. Nele 134 operários, em sua maioria mulheres, morreram já que se encontravam em um andar alto e eram mantidos a portas trancadas para que não pudessem sair da sala durante o expediente.

Apoie o Cenas

Independente da veracidade do primeiro evento, é fato que as mulheres ganhavam muito menos do que os homens para executar os mesmos trabalhos, sem falar na pouca importância social que tinham. Some-se a isso a história do segundo evento, que já seria suficiente para causar assombro pelas condições absurdas de trabalho e pelo total descaso com qualquer norma de segurança.

Quem pensa que o mito e o fato mudaram muita coisa na vida das mulheres trabalhadoras, se engana redondamente. Foi preciso mais de um século para que as coisas realmente começassem a mudar. Em 1968, o cenário era basicamente o mesmo: o trabalho feminino não era reconhecido como especializado, o salário era muito inferior ao dos homens e as condições de trabalho eram absurdas.

Pelo menos na maior fábrica da Ford na Inglaterra, em Dagenham, onde as mulheres, encarregadas de costurar os interiores dos veículos, trabalhavam em um galpão cheio de goteiras e tão quente que mal conseguiam ficar com as próprias roupas durante o expediente. Além de costurar sem moldes e recebendo muito menos do que seus colegas homens.

Contra a discriminação sexual, o não-reconhecimento de seu trabalho qualificado e os baixos salários, essas costureiras da Ford resolveram entrar em greve, contrariando os empregadores, os sindicatos, seus maridos e muitos homens que nunca reconheceram a mulher como um ser pensante e capaz de realizar tarefas complexas.

Ainda que o filme tenha uma importância social e histórica fundamental, ao retratar nas telas um marco do movimento pela igualdade de direitos, alguns tropeços podem ser percebidos ao longo da trama. Há uma certa irregularidade no tempo dos acontecimentos, a solução acontece rápido demais, algumas passagens ficam meio perdidas no conjunto e nem mesmo a excelente Sally Hawkings, que vive a líder da greve Rita O’Grady, consegue manter uma regularidade em sua interpretação, que é sublime em momentos como o da carta recebida após a paralisação de 24 horas, mas não convence tanto em momentos menos pesados.

Mas o que talvez incomode, acaba ficando em segundo plano frente ao humor elegante e ao ótimo roteiro de William Ivory, adequadamente recheado de diálogos tão absurdamente machistas que custa acreditar que existe gente no mundo que ainda pense da mesma forma. Momentos como o do corrompido líder sindical dando instruções às duas funcionárias para a reunião que começaria em breve (“mantenham a cabeça baixa e não falem com eles”) ou a briga entre Rita e seu marido (“eu sempre te tratei bem”) trazem à tona pensamentos de exclusão e discriminação que, infelizmente, existem até hoje.

A produção ainda ganha pontos com as personagens secundárias de Geraldine James, que vive a esposa de um ex-combatente da II Guerra Mundial; Jaime Winston, como a aspirante a modelo; Miranda Richardson como a ministra do trabalho que se solidariza com a causa, e Rosamund Pike, como a mãe amiga de Rita que estudou história em uma das melhores faculdades do mundo e é tratada como uma idiota pelo marido.

Ainda que seja irregular, em Revolução em Dagenham, Nigel Cole demonstra mais uma vez muita habilidade ao retratar o universo feminino com humor. Ao mesmo tempo, ao superar os defeitos, faz do filme uma obra interessante para conhecer pelo menos uma parte das conquistas profissionais e sociais das mulheres. Que, inacreditavelmente, passaram muito tempo sendo tratadas de um jeito tão absurdo que é difícil acreditar que tenha acontecido.

Um Grande Momento

A briga antes de pegar o ônibus para o encontro dos sindicatos.

Revolução em Dagenham

Links

IMDb Site Oficial [youtube]http://www.youtube.com/watch?v=iLqWO-io5nY[/youtube]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
Botão Voltar ao topo