Crítica | Festival

Rômulo & Remo: O Primeiro Rei

Roma feita de sangue

(Il primo re, ITA, BEL, 2019)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Matteo Rovere
  • Roteiro: Matteo Rovere, Francesca Manieri e Filippo Gravino
  • Elenco: Alessandro Borghi, Alessio Lapice, Marina Occhionero, Fabrizio Rongione, Massimiliano Rossi, Tania Garribba, Michael Schermi, Max Malatesta, Vincenzo Pirrotta, Vincenzo Crea, Lorenzo Gleijeses, Gabriel Montesi, Antonio Orlando, Florenzo Mattu, Martinus Tocchi, Antonia Fotaras
  • Duração: 127 minutos

O jovem cineasta italiano Matteo Rovere demonstra ambição muito genuína ao embarcar com menos de 40 anos nos mitos sobre a construção de Roma, com ponte nas lendas dos irmãos Rômulo & Remo, os gêmeos amamentados por uma loba quando criança que crescem com a História italiana cravada em seu destino. Apesar da linhagem épica, o cineasta abre mão da grandiosidade estrutural para focar no que é fundamental – a relação simbiótica entre seus protagonistas e o caráter alegórico da sua narrativa, que parte da mitologia romana para situar sua ação e sua estética, tão adequada quanto já vista recentemente para moldar longas em processos semelhantes. 

Com provável inspiração no Apocalypto de Mel Gibson, Rovere coloca seu elenco para se comunicar em latim arcaico e também se credibiliza ao preferir ambientar sua história no período pré-construção, povoando sua atmosfera com violência e selvageria extremas; tendo em vista o período retratado, nada soa impróprio. As crenças, os rituais, o retrato de um povo antes mesmo dele ser identificado como tal, todas as pesquisas, tiram a produção de qualquer parâmetro contemporâneo em sua forma, mas a essência da escalada do poder, do fanatismo a um ídolo falho, a religião cega como porta de entrada para a tragédia iminente, esses códigos são facilmente compreensíveis através dos tempos. 

Rômulo & Remo: O Primeiro Rei

Uma das fatias mais impressionantes da produção é a sistemática tomada de território, que gradativamente se desenrola na construção de um império tão expressivo como o romano se tornou. Uma máquina disforme de matar em ondas, o exército que pouco a pouco cria torna Remo em particular um homem cada vez maior, ignorando o próprio destino. Essa sanha assassina que acomete o protagonista foi crucial para que seu arco fosse traçado, mas também reflete a jornada tradicional da criação de um sistema de terror ditatorial, que o filme rodeia para metaforizar de maneira pouco sutil, porém muito efetiva. 

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Realizado com rigor, Rômulo & Remo é fotografado com luz natural por Daniele Cipri (de Sangue do meu Sangue), merecidamente premiado aqui pela ousadia em empreender essa façanha e sagra-se capaz de emoldurar as imagens com beleza e exatidão. A tentativa de criar o aspecto de mais de 700 anos antes de Cristo leva o espectador a uma peregrinação por florestas e espaços abertos, mantendo a direção de arte da produção toda em esquema de locações. Apesar disso tudo, o filme tem uma crueza na transposição dessa época que, mesmo a mise-en-scène elaborando planos longos e requintados em sua captação, a emulação de constante sujeira estética transparece uma produção que se agarra na visceralidade. 

Rômulo & Remo: O Primeiro Rei

Trabalhando como produtor em muito mais volume, Rovere está apenas em seu quarto longa como realizador e desde o anterior (Veloz como o Vento) já observamos uma tendência a um cinema de comunicação mais direta sem perder a autoralidade. Passando da narrativa esportiva à épica, ele trata de subverter o que tradicionalmente se espera da base desses projetos. Aqui, o apreço pela degradação masculina, pelo fanatismo religioso, acaba modulando o filme para uma seara sem pose, cuja elegância se restringe ao modo de produção mas não a cara da produção. 

A dobradinha entre Alessandro Borghi e Alessio Lapice contribui muito para o crescimento do projeto, que carecia de uma química forte. Sua saga precisaria passar por muitas camadas de apresentação, desde a união extrema até a rivalidade política, passando pelo estranhamento de parte a parte que norteia os dois pólos, e seus intérpretes se posicionam sempre com muita ferocidade, e Borghi mais uma vez prova porque é um dos grandes jovens atores italianos. Rômulo & Remo, apesar da elaboração imagética, mantém-se em zona segura de dramaturgia, que acomoda o espectador em campo confortável narrativamente. O promissor Rovere é que providencia um recorte preciso dentro de um gênero já tão filmado, aqui com injeção de veracidade para uma história tão clássica. 

Um grande momento
“Olhem para o seu rei”

[8½ Festa do Cinema Italiano 2021]

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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