- Gênero: Animação
- Direção: Sarah Smith, Jean-Philippe Vine, Octavio E. Rodriguez
- Roteiro: Peter Baynham, Sarah Smith
- Duração: 106 minutos
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Animações costumam trazer em seu conceito uma ideia de aproximação entre personagens infanto-juvenis. Em tempos de polarização inclusive entre adolescentes e crianças, nada mais apaziguador do que disseminar a ideia de que a união não apenas faz a força, como também, se pesquisado, seu oposto não faz muito sentido. Qual a função do ódio disseminado entre pessoas que já foram tão próximas, e que graças ao crescimento da extrema direita, afastou parentes, casais e amigos de longa data? Óbvio que Ron Bugado não propõe politização em cima de sua narrativa, mas uma dos caminhos possíveis pela crítica é apontar o que o zeitgeist produz de reflexo nas obras, seja proposital ou não.
Sarah Smith (de Operação Presente), Jean-Philippe Vine e Octavio Rodriguez dirigem uma produção muito socialmente responsável, empaticamente inclusiva e, acima de tudo, divertida a valer, que não tenta ser maior do que suas pretensões. O filme é a primeira produção animada dos estúdios Fox a ganhar os cinemas pós venda para a Disney, e tem uma independência bem aparente em relação ao que seu estúdio satélite apresenta em termos de narrativa vigente contemporânea; a casa do Mickey lida, geralmente, com questões onde o material humano é o debate, ainda que algo como Luca já vislumbre uma tendência homoafetiva nas entrelinhas. A liberdade que um estúdio “adjacente” teria na produção de conteúdo próprio, ainda que Ron Bugado tenha sido gerido antes das negociações, é justamente que ele banque essas entrelinhas paralelo a eles.
Barney é um menino ausente nas tentativas de afetos. Tanto no cômputo familiar quanto na esfera social, sua popularidade não existe – ok, sua avó o ama e demonstra, talvez até demais. Criar, nos dias de hoje, uma narrativa onde um pária social pré-adolescente seja constantemente “trollado”, incluindo pela tecnologia, é uma prova de coragem em desafiar padrões de discutir julgamentos prévios. Até porque o próprio personagem age com sua família como agem com ele, ou seja, trata-se de uma espiral de elementos do roteiro que são respostas a atitudes outras que retroalimentam seu tema, como a aceitação das diferenças, que muitas vezes consiste em aceitar a si mesmos.
Isso tudo está revestido por uma crítica não apenas ao domínio das super tecnologias na nossa vida, mas principalmente pela ideia por trás delas. Ora, a invasão virtual que prendeu as sociedades em uma espécie de algoritmo que lhes decide o que fazer, portar, comprar e muito mais, é gerida por pessoas, e não por inteligências artificiais. Para além do humor que é alcançado na produção, sua mensagem explícita (e séria) está no alcance da modernidade e na ascensão do assédio corporativista desde muito cedo; crianças consumistas em busca de um bem comum ultra desejado já existia em Um Herói de Brinquedo, mas o que está sendo denunciado aqui é a tentativa deliberada de dominação psicológica dos grandes conglomerados em consumidores cada vez mais jovens.
O filme faz o trabalho de casa ao incluir todo tipo de possibilidades de minorias possíveis, de estrangeiros protagonistas (uma família búlgara) a um gênio da informática negro, sem parecer insistente nessa ideia; não há uma busca por uma tentativa inclusiva, o filme simplesmente aposta nessa diversidade , que verdadeiramente soa genuína. Os personagens que estão no lugar de algum tipo de vilanização são devidamente desconstruídos ao longo da produção, e por se tratar do universo em questão, se tratam de crianças, ou seja, seres ainda capazes de conseguir a tal reconstrução. Essa é a ideia por trás do filme, que possamos de novo encontrar uma saída para o lugar onde a empatia foi perdida e a história de nossas diferenças se agigantou.
Ron Bugado, para além do lastro político-social, tem em sua feitura qualidades técnicas evidentes que não seriam valorizadas se o seu público-alvo não fosse contemplado por um material que não apenas sustente o interesse visual por seu universo (a ideia e o layout do robô protagonista é um achado, e verdadeiramente atraente) quanto os provoque com o ritmo certo e a diversão na medida, criando um universo consistente para um resultado gratificante. Ainda que tenhamos visto esse ano A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas em ideia mais ambiciosa, esse novo longa tem afeto e gargalhadas de sobra para entreter os menores, e um discurso para conectar seus pais.
Um grande momento
Ron vai embora