- Gênero: Terror
- Direção: Leigh Janiak
- Roteiro: Kyle Killen, Phil Graziadei, Leigh Janiak
- Elenco: Kiana Madeira, Olivia Scott Welch, Benjamin Flores Jr., Julia Rehwald, Fred Hechinger, Ashley Zukerman, Darrell Britt-Gibson, Maya Hawke, Jordana Spiro, Jordyn DiNatale
- Duração: 105 minutos
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Existem duas formas de analisar Rua do Medo, o projeto de trilogia que começa a chegar hoje na plataforma da Netflix e é o seu principal evento do mês. Uma situação não anula a outra, mas são evidenciadas quando colocadas em perspectiva. Isso porque não se trata apenas de um filme, o tal Rua do Medo: 1994 que estreou hoje, mas duas situações em uma: temos uma produção X, com suas questões intrínsecas e particulares, cuja olhar precisa ser relativizado enquanto obra única, e existe a produção maior, muito mais ampla que essa estreia de hoje. Ou seja, esse que vos escreve ficou encarregado da pior parte: tentar destrinchar uma obra que se encerra hoje por um lado e apenas começou hoje por outro.
A trilogia é inteiramente dirigida por Leigh Janiak, que tinha apenas o elogiado Honeymoon no currículo e agora apresenta a adaptação da série de livros homônima, assinada por R. L. Stine, e que aqui estão interligadas por um evento maior. Ou seja, não se trata de uma mera antologia de terror onde um espaço, uma cidade ou uma alegoria se tornam a referência para o contexto geral, mas de um evento que une todos os capítulos, e que só será devidamente solucionado na gênese do mesmo, exatamente a terceira parte a ser lançada em duas semanas. Independente do projeto maior, há um menor que define cada um dos longas como uma obra independente.
Nesse quadro específico, Rua do Medo: 1994 é um longa que diverte acima de tudo, o que pode ser um sintoma escolhido por sua diretora, o entretenimento descompromissado que obviamente referencia o slasher adolescente de high school dos anos 80/90, com uma picardia que marca a evolução do nosso tempo inserido nele – seu casal protagonista são duas meninas lésbicas recém separadas e ainda magoadas uma com a outra. Um terceiro personagem claramente também flerta com o LGBTQIA+ de maneira muito cuidadosa e natural, o que coloca a produção em lugar especial para os tempos de afirmação de liberdade de orientação sexual.
Entretenimento garantido, Janiak e seus roteiristas (Kyle Killen e Phil Graziadel) não tentam ir muito longe dessa questão, utilizando clichês que, se não chegam a incomodar, também não retiram o filme de um lugar que já foi visto com frequência, não apresentando nada de substancialmente novo na jornada do quinteto central – iniciação sexual/emocional, aquela tradicional perseguição entre psicopatas e vítimas, etc – até percebermos um ritmo relativamente desajustado, na montagem não muito eficaz de Rachel Katz, que deixa claro tempos mortos nada agradáveis ao cinema de gênero.
Em outro plano, Rua do Medo também é uma trilogia que aparenta agregar muito mais predicados quando pensada em conjunto, no coletivo de suas produções. Isso justificaria o pouco alarde que é dado ao desfecho de seus personagens, com uma naturalidade pouco comum mediante o que acontece; quando a narrativa permitiria e necessitaria de uma reflexão e uma pausa dramática, o filme parece querer se encerrar e passar “para a próxima fase”. Não é aconselhável, portanto, chegar a conclusões definitivas em relação ao projeto a essa altura, principalmente quando há uma prévia saborosa aguardando o espectador antes dos créditos.
Um plus nostálgico com uma produção ambientada trinta anos antes poderia ser melhor aproveitado, com a ausência de computadores, celulares, tecnologia de ponta, mas isso é diminuído como um todo, restando apenas o sabor indiscutível de ouvir “Only Happen When it Rains” do Garbage e “Creep” do Radiohead (ok, ambas são mais do que mastigadas para retratar os conflitos da adolescência, mas o que importa é a qualidade de ambas, aqui) em cena. A ausência de pais e responsáveis deixa o filme com um sabor de Scooby-Doo que também realça essa nostalgia fugaz.
A preocupação com a unidade do projeto, que foi todo realizado pela mesma equipe, é a prova do comprometimento do mesmo para com seus resultados, e a tarefa de Janiak era prender a atenção do espectador, e instigá-lo por um total de três semanas. Tarefa cumprida, Rua do Medo:1994 não revoluciona o mercado, mas deixa uma porta escancarada de interesses para que o projeto, quando no fim do mês for inteiramente pensado, pareça muito maior do que suas partes unitárias. É o risco que se corre quando uma ousadia como essa ganha as telas.
Um grande momento
Os banheiros da escola
Fotos: Netflix © 2021