Mostra de Tiradentes

Pelo audiovisual brasileiro

Muito além das exibições de filmes, embora poucos abram os olhos para isso, há muita política envolvida no setor audiovisual brasileiro. Uma das preocupações da Mostra de Tiradentes sempre foi discutir essa política. Por isso, um dos resultados mais importantes de sua 18ª edição é a Carta de Tiradentes.

Para falar de política, a mostra programou o painel “Perspectivas para o audiovisual brasileiros, com o presidente da Ancine, Manoel Rangel. Acontece que Rangel não veio e mandou em seu lugar Rodrigo Camargo, coordenador do Núcleo do Fundo Setorial Audiovisual, que não pôde responder a muitas das perguntas feitas pela plateia.

Dias depois, mesmo fora da programação divulgada inicialmente, um novo encontro foi marcado. Raquel Hallak, coordenadora da Mostra de Tiradentes; Adriano de Angelis, assessor especial do Ministério da Cultura; Carla Francine, ex-gestora do audiovisual na Secretaria de Cultura de Pernambuco, e o cineasta Ricardo Targino compuseram a mesa.

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O resultado do debate é a renovação da Carta de Tiradentes, quatro anos depois de sua primeira edição. Entre as propostas estão a criação de um Conselho Nacional de Política Audiovisual, complementar ao atual Conselho Superior de Cinema, e a refundação da Cinemateca Brasileira.

A carta também pede pela construção de uma política de internacionalização da produção nacional, além do fortalecimento do Fundo Setorial Audiovisual e do revigoramento e ampliação do Centro Técnico Audiovisual.

Confira a integra do documento:

“Um novo pacto pelo audiovisual brasileiro”

A aurora de uma nova realidade audiovisual já raiou sobre o país. Passados 4 anos da primeira edição desta carta, parte daquilo que parecia impossível aconteceu: temos hoje uma das políticas setoriais mais robustas do mundo, conquistamos uma expressiva soma de recursos para a produção, diversificamos as linhas de fomento, avançamos no formalização de uma nova ecologia de produção, incorporamos arranjos novos, formatos, mídias e estéticas. Estamos prontos para um novo salto de qualidade e para radicalizar na democratização do acesso dos brasileiros à produção audiovisual que o Brasil financia. O país que promoveu uma das maiores mobilidades sociais que se tem notícia na história e que se tornou referência mundial em redução das desigualdades precisa, efetivamente, ser a pátria educadora de seus filhos, uma nação solidária e culturalmente orgulhosa de si.

Recebemos com entusiasmo as palavras do Ministro Juca Ferreira em sua volta ao MinC: “Criar, fazer e definir obras, temas e estilos é papel dos artistas e de quem produz cultura. Escolher o que ver, ouvir e sentir é papel do cidadão. Criar condições de acesso, produção, difusão, preservação e livre circulação, regular as economias da cultura para evitar monopólios, exclusões e ações predatórias, democratizar o acesso aos bens e serviços culturais: essa é a responsabilidade do Estado democrático.”

Setores até então excluídos ganharam imagem e voz na cena política e no audiovisual do país, tornando-se protagonistas de importantes mudanças. A produção cinematográfica brasileira nunca foi tão diversa e plural. Parte fundamental dela já ocorre ao abrigo das políticas públicas de fomento, entretanto, é preciso reconhecer os enormes desafios que permanecem latentes. Queremos uma política pública que reconheça tais desafios, que distribua os recursos já existentes de modo a contemplar a inovação tanto do ponto de vista estético quanto de mídias e formatos, que desenvolva iniciativas novas e arrojadas de distribuição e exibição capazes de vencer o histórico gargalo que marca o acesso aos conteúdos. Queremos que difusão e formação de plateias deixem de ser um subproduto da política setorial, que se avance na estruturação comercial do setor, na democratização da produção e acesso aos bens culturais e na aposta do cinema como uma janela privilegiada para o desenvolvimento e a soberania, para a afirmação de nosso lugar no mundo. Para isso, propomos as seguintes ações estruturantes:

1 – A criação de um CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA AUDIOVISUAL, muito mais amplo e representativo, complementar ao atual Conselho Superior de Cinema, que prime pelo amplo diálogo colaborativo na construção das políticas públicas para o audiovisual, em todos os segmentos da vida social brasileira.

2 – Fortalecer o Fundo Setorial do Audiovisual como instrumento de fomento de toda a diversidade da produção audiovisual brasileira, do curta-metragem aos games, das webséries ao telefilme, do filme autoral aos filmes com vocação de alta performance comercial.

3 – Refundar a Cinemateca Brasileira conferindo caráter nacional à instituição, permitindo a ampliação do horizonte de círculos críticos e de formação de plateias, através de uma nova rede popular de exibição do conteúdo nacional. Desenvolver políticas de preservação que possam ocorrer de modo simultâneo à produção, permitindo o surgimento de iniciativas de formação voltadas para a preservação da memória, cujo entendimento não pode mais estar restrito à película, senão que precisa incorporar a necessidade da preservação da produção digital e contemporânea desde já.

4 – Revigorar o CTAV e ampliá-lo como rede de equipamentos públicos compartilhados, dinamizá-lo como espaço de formação técnica e artística, como qualificador da produção independente por todo o país. Que o CTAV possa atuar também na exibição e junto das atividades cineclubistas como garantidor da qualidade técnica e ainda atuar decisivamente na finalização mais apurada de toda a produção que ainda se encontra desabrigada das políticas de fomento.

5 – Construir uma política unificada e ousada de internacionalização de nossa produção, tarefa que permanece pendente e com iniciativas desarticuladas. Urge consolidar a presença internacional de nosso cinema de modo planejado e integrado, desde o desenvolvimento dos projetos – com o incremento dos acordos de coprodução – até o posicionamento do filme no mercado mundial e com especial atenção à América Latina e à África lusófona.
Acreditamos que estas iniciativas estruturantes vão de encontro aos anseios não apenas dos profissionais do audiovisual, mas de toda a sociedade brasileira. Apontam no sentido da universalização da produção e do acesso e confiam ao audiovisual um papel decisivo no incremento da fruição estética e do debate crítico: no mutirão civilizatório. Avançamos muito e podemos avançar muito mais.

Tiradentes, janeiro de 2015.

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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