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Rye Lane: Um Amor Inesperado

Apresentar e conhecer - a si mesmo

(Rye Lane, RUN, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia romântica
  • Direção: Raine Allen-Miller
  • Roteiro: Nathan Bryon, Tom Melia
  • Elenco: David Jonsson, Vivian Oparah, Karene Peter, Benjamin Sarpong-Broni, Malcolm Atobrah, Alice Hewkin, Poppy Allen-Quarmby, Simon Manyonda
  • Duração: 77 minutos

A verdade é que o cinema romântico dos últimos 28 anos deve muito ao encontro inicial de Jesse e Celine, lá em Viena. Após essa fatídica madrugada que passaram juntos, de maneira despretensiosa, e o reencontro nove anos depois, em Paris, muito ficou à mercê do que foi conseguido por Richard Linklater, Kim Krizan, Julie Delpy e Ethan Hawke. Logo, vieram não cópias, e sim inspirações, como Nick & Norah, Medicine for Melancholy (o primeiro – e melhor – filme de Barry Jenkins), Antes do Adeus e tantos outros. Estreou no Star+ plus semana passada esse novo Rye Lane: Um Amor Inesperado – pra quê subtítulo, meu Deus do céu???? – que se comunica tanto com Antes do Amanhecer e Antes do Pôr do Sol (completados com Antes da Meia-Noite) que ao menos uma cena é referenciada, além do contexto inteiro. 

A estreia na direção de longas de Raine Allen-Miller é fruto de quem também foi afetado por um desses encontros inusitados que acontecem poucas vezes – e que, na vida real, tem pouquíssimas chances de virar algo maior – e, diante do inesquecível, precisa encontrar na arte uma forma de eternizar essas vivências. Aqui, Dom e Yas se encontram em uma galeria e em comum têm o fato de que terminaram um relacionamento há relativo pouco tempo; será dedicado a partilhar quem são e o que os levou a esses términos que eles passarão um dia juntos. Não há qualquer intencionalidade aqui, é um esbarrão, quase, mas por falta de algo melhor a fazer, eles estarão se conhecendo, bem nas entrelinhas. É como se a vida dissesse a eles que as grandes coisas não importam muito, e sim as pequeninas. 

E o filme vai nessa mesma ideia de microcosmos emocional e muito peculiar dos filmes citados. Dom tem uma personalidade mais aberta, entrega seu emocional de cara, ainda que na base da melancolia; Yas é uma figura mais expansiva, hipnótica, daquelas figuras que dominam uma roda de conversa naturalmente. Desse encontro, nasce também uma forma muito humana de conhecer as ruas de Londres em sua encarnação menos ‘cartão postal’, uma cidade de galerias, restaurantes, comércio e moradias muito particulares. Rye Lane: Um Amor Inesperado não se vende apenas pelo que agregam seus protagonistas, mas principalmente por uma forma de vida que eles vendem com suas personas e que culturalmente representam o seu tempo. 

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Essas figuras (e os associados a eles) são jovens, pretos e repletos de sonhos que não parecem caber no que socialmente foi construído para eles. Eles desejam ser youtubers, artistas de vanguarda, trabalhar com moda, com expressões artísticas que só a pouco tempo vem sendo aberta para quem não segue todos os padrões possíveis; Rye Lane vende uma possibilidade de amar e, mais que isso, de viver exatamente da forma como se quer. Sem vergonha de suas escolhas, de seus sentimentos, de seu lugar no mundo, de sua cor e sem criar uma discussão a respeito disso, da conquista disso; naquele mundo, tudo já é possível, não existe barreiras. Existe esse frescor de observar essas pessoas e entender que elas podem tudo porque elas são bonitas, talentosas, inteligentes e cheias de paixão pelo que fazem. 

Allen-Miller também recheia seu filme de efervescência estética, como quando os filma com câmeras em efeitos ‘olho de peixe’, flagrando seus protagonistas como se transeuntes fossem, em busca de um melhor lugar possível para ser, e estar. São figuras disponíveis para qualquer lugar de artifício imagético, como a artificialidade dos passeios de lambreta, ou o extremo colorido de seus ambientes fechados. Apesar de se aproximar de uma ideia da branquitude no cinema, sua diretora sabe sob qual ponto de vista quer tomar partido, então Spike Lee é uma referência visual aqui, Barry Jenkins é uma referência visual aqui, Cheryl Dunye é uma referência visual aqui. Tudo em Rye Lane: Um Amor Inesperado não veio ao mundo sob uma ótica de um licenciamento pacato, mas de uma tomada de território clara, através de sua paleta, de sua música, de sua linguagem, e de seu tempo. 

A despeito das quantidades exorbitantes de química que têm entre David Jonsson e Vivian Oprah, separadamente carecem de mais estofo dramático para encarar as linhas do roteiro de Nathan Byron e Tom Melia, que são as estrelas da produção. A eles cabe encarnar Dom e Yas, mas todo o interesse de Rye Lane: Um Amor Inesperado está na construção espacial, identitária e emocional do que vemos, e que acaba por passar por um lugar de reflexo dentro do que essa geração jovem apresenta hoje. Quando Yas fala para Dom “eu acho que farei você perder esse trem hoje”, percebemos que, a despeito das duas décadas e todo o resto de diferença, a fagulha inicial de uma história será sempre especial, ditas por Claudette Colbert e Clark Gable em 1934, ou hoje.

Um grande momento

O almoço de reconciliação – ou não

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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