(Leave No Trace, EUA, CAN, 2018)
Uma invisibilidade que se combate com o abandono, de tudo que se conhece, que se define, que se espera. Em uma sociedade fracassada que não olha pelos seus, é mais fácil sobreviver longe dela, criar a sua própria. Em Sem Rastros, Debra Granik (Inverno da Alma) dá todas as ferramentas para que o espectador perceba a necessidade desse isolamento voluntário em um modelo utópico que talvez dê certo, já que o outro fracassou. Adaptado do romance “My Abandonment”, do Peter Rock, o roteiro assinado pela própria diretora com Anne Rosellini elimina as impressões narradas no livro e as transforma em sensações.
Acompanhamos o cotidiano de Tom e seu pai, Will, como se acompanha um documentário observacional. A ambientação começa ainda nas cartelas dos créditos, onde o som de insetos e pássaros toma a tela antes que o verde a invada, na fotografia elaborada de Michael McDonough. É dado tempo ao tempo, as palavras são poucas e as ações quase silenciosas ditam o ritmo. Aos poucos quem assiste ao filme vai se adaptando àquela rotina, compreendendo a relação e se conectando aos personagens. Até que tudo se transforma.
Quando o universo se rompe, Granik deixa espaço para a intromissão de elementos até então evitados, como a trilha sonora, e uma nova realidade vai se formando, com mais personagens, palavras, interações e uma realidade forçada naquele mundo que Will quer evitar e Tom não tem ideia de como seja. A atenção agora volta-se para conflitos comuns a relações paternas e à adolescência, com muitos hormônios e novas necessidades, que vão desde o simples ato de aprender a andar de bicicleta a conhecer um garoto.
Thomasin McKenzie (Jojo Rabbit) e Ben Foster (A Qualquer Custo) são fundamentais para que Sem Rastros funcione. As doçura e insegurança dela se contrapõe à introspecção dele mas tudo se equilibra bem até certo ponto. Com uma química inegável, os dois vão levando o filme por cada uma das experiências e provocam as reações mais diversas, na integração e no estranhamento. A diretora sabe se aproveitar desse envolvimento para trazer e prolongar a tensão na trama.
Embora haja um certo desequilíbrio no tempo de certas cenas e na atenção a certos eventos, o longa transcorre bem todas as realidades experimentadas e são fundamentais para explorar novas facetas dos protagonistas. O estranhamento também surge quando símbolos tradicionais são trazidos à trama; no macro é explícita na questão da igreja e sutil nas bandeiras dos EUA espalhadas pelo caminho; no micro, dá lugar a souvenirs como os dentes de leite ou brinquedos de criança.
Porém, é justamente na ruptura com esses símbolos, no interesse que deixa de ser compartilhado e no conflito que Sem Rastros se torna potente. É assim que se inicia a jornada e como ela chega a seu fim; é assim que Tom e Will estabelecem seu modo de vida, e como se dá a alteração dessa dinâmica. Um belíssimo e preciso filme sobre rompimentos e novas realidades.
Um grande momento
“Você precisa, não eu”.