Drama
Direção: Caetano Gotardo
Elenco: Caetano Gotardo, Carlos Escher, Malu Galli, Wandré Gouveia, Carlota Joaquina, Vinicius Meloni, Larissa Siqueira, Marina Tranjan
Roteiro: Caetano Gotardo
Duração: 118 min.
Nota: 6
A arte, o ser humano e as relações humanas, com seus subterfúgios e indisposições, estão por trás de Seus Ossos e Seus Olhos, novo filme de Caetano Gotardo, escolhido para abrir a Mostra Aurora da Mostra de Cinema de Tiradentes. O longa acompanha o cotidiano de João, um diretor de cinema, vivido pelo próprio Gotardo, em encontros e desencontros, em começos e remontagens.
Seu interesse está em vários lugares: o corpo e o consequente ocupar de um espaço, a imagem e suas variadas possibilidades de interpretação, e a memória, como motor de toda a existência. A exposição dos pontos é paulatina. Da primeira cena, com seu “isso eu não consigo fazer”, até o desabafo da amiga, passando por uma ótima sequência de explicitação de inadequação corpo/espaço, não é possível ter ideia de todas as digressões que virão para construir um universo ao mesmo tempo familiar e estranho.
Delicado e dedicado na compreensão das ações humanas e no interessante jogo proporcionado quando existências se encontram, o filme ainda vai mais longe ao transportar todas as dinâmicas para o espectro da arte. É nessa associação que está o melhor de Seus Ossos e Seus Olhos, nessa possibilidade de ver a arte em todos o aspectos do banal e em sua possibilidade de transformar aquilo que é cotidiano. Na tela, estão personagens que se reencenam cotidianamente, repetindo discursos e se apropriam de falas alheias, e há a intervenção do artista na manipulação dessas realidades repetidas. As ligações se fortalecem com essas apropriações, seja no ensaiar de um grupo teatral ou num simples observar de um quadro.
Passeando entre dimensões narrativas, o diretor se aproxima de coisas já vistas no cinema (mais de uma vez), mas traz uma maneira única de alcançar o real, reforçando essa individualidade que é tão pertinente à vida e à arte. E é o objetivo final de qualquer obra artística, seja o quadro de Almeida Júnior, citado e exposto, ou o próprio filme de Gotardo. Experiências, vivências e desejos possibilitam que uma obra seja várias. E o quanto dessa relação com a arte não está no cotidiano mais trivial? No observar de pequenas coisas ou no ouvir histórias que desejam para si? Essa fusão de arte e vida é muito interessante e encontra no tom casual, corriqueiro das suas sequências o lugar ideal para se estabelecer.
Nesse jogo de identificação, em arte ou em vida, vê-se muito de nós mesmos representados. Seja na roda de conversa, no ensaio ou no tela. As histórias selecionadas para o longa-metragem tocam fundo, se não todas em todos, algumas em muitos. Solidão, decepção, culpa, abandono, saudade, medo e outros tantos sentimentos estão na tela e trazem quem assiste ao filme para dentro dessa construção e reconstrução de histórias.
Porém, se o que se constrói consegue atrair, seja pela identificação ou pela rejeição, há uma ruptura com as várias intermissões pensadas para unir as situações. Além de um excessivo apego à auto-imagem, algumas passagens são longas demais, outras repetitivas, e dispersam o espectador. Mesmo que isso se recupere no quadro seguinte, são soluços que ficam.
Um pouco mais alongado do que seria necessário, justamente pelas pausas, Seus Ossos e Seus Olhos, ainda assim, tem essa capacidade de alcançar o humano, tanto em estrutura quanto em desejo, e deixá-lo tão exposto e tão identificável, trabalhando tudo na chave da arte e mergulhando na compreensão desse jogo que é tão nosso e está em todos os lugares e momentos.
Um Grande Momento:
O desabafo da amiga.
Links
[22ª Mostra de Tiradentes]