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Sob o Sol do Oeste

(Damsel, EUA, 2018)
Nota  
  • Gênero: Western
  • Direção: David Zellner, Nathan Zellner
  • Roteiro: David Zellner, Nathan Zellner
  • Elenco: Robert Pattinson, Mia Wasikowska, David Zellner, Nathan Zellner, Joseph Billingiere, Gary Brookins, Gabe Casdorph, Robert Forster
  • Duração: 113 minutos

Observar um gênero inteiro pela ótica do que lhe foi incutido a propósito de lhe revelar e ressaltar, refletir sobre esse estado e virar do avesso cada um dos seus elementos, transformando a experiência em uma muito bem costurada colcha de retalhos referencial, sem jamais perder a organicidade. Essa é a intenção dos irmãos David e Nathan Zellner em Sob o Sol do Oeste, que o título em português já antecipa sua ambiência e, com isso, sua categoria. Ao revisitar o oeste americano e com isso propor uma repaginada no faroeste típico, os irmãos diretores e roteiristas vão além de um revisionismo padrão – sabendo que tal ambição carrega em si o oposto do que seria uma padronização.

Pois pegue um cowboy mocinho, uma donzela em perigo, um “religioso” tipicamente medroso, um vilão fora da lei e junte a uma ambientação clássica do lugar do faroeste – e esqueça tudo isso. Um galã no posto de protagonista alude a uma tendência de proporcionar um assentamento das expectativas, porém esse galã é vivido por Robert Pattinson (de Cosmópolis), um ator que há 10 anos busca incessantemente desconstruir sua imagem, sua carreira e suas escolhas, e aqui em Sob o Sol do Oeste ele mais uma vez avança em seus intentos. Em resumo, Samuel Alabaster é um desajustado em busca de um lugar num mundo que não conhece mas que deliberadamente altera, avançando sobre a narrativa deturpando a mesma.

Sob o Sol do Oeste (2018)

Desconstrução inclusive não é uma prerrogativa exclusiva de Pattinson, mas a proposta-chave do longa dos diretores de Kumiko: A Caçadora de Tesouros, que voltam aqui a surpreender com suas jornadas inusitadas. Com esse segundo longa, os irmãos Zellner provam que nem esse caráter desconstruído nem seu roteiro surpreendente alijam seu filme de coesão. A ideia é muito arriscada de se apresentar, mas os rapazes evoluem sua carpintaria em relação ao trabalho anterior para deixar cada um desses elementos isolados em consonância com sua ideia de tirar o verniz do tempo sobre eles sem perder a naturalidade de ações e a progressiva de situações em cadeia, sem perder um viés compacto.

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Um dos elementos que causam uma ranhura no todo do material é a paisagem ao redor, que impressiona tanto pelo realismo quanto por incidir em planos exteriores, sendo todo o filme baseado em locações. Quando pensamos no faroeste clássico, nos vem a cabeça cidades desertas, saloons e ambientes artificialmente concebidos; aqui temos a natureza como testemunha e refém das imagens produzidas pelos Zellner e dos atos cometidos que rasgam a narrativa com brutalidade e um senso de humor cada vez mais amargo e deslocado, que cria um estranhamento generalizado por se tratar de uma produção que também busca o naturalismo – vide a opção espacial. Em conjunto, Sob o Sol do Oeste impacta pelo tanto de elementos que consegue equilibrar.

Robert Pattinson em Sob o Sol do Oeste (2018)

De olho nos estereótipos que enfileira, essa produção que competiu no Festival de Berlim almeja tirar esses elementos de uma forma habitual para reenergiza-los sob novos papéis, sociais inclusive. Conscientes de sua apresentação e munidos de coragem, os autores fazem pelo oeste o que a equivocada minissérie Hollywood não consegue fazer pelo Cinema; ao aproximar suas lentes de um passado tão multiplamente retratado, o roteiro atualiza com propriedade os conceitos consagrados no gênero. Então donzelas, mocinhos e o cenário como um todo talvez precisem do oxigênio que o filme emprega para garantir mobilidade desses códigos para o futuro.

Sob o Sol do Oeste, apenas reconfigurando seus dogmas para o nosso hoje, faz muito mais para o faroeste do que a década inteira fez e, ao lado dos filmes de Kelly Reichardt e de S. Craig Zahler (respectivamente O Atalho e Rastro de Maldade), representam a chegada de um novo milênio para o gênero. De maneira muito natural, nos pegamos observando um profundo, imerso nas entrelinhas e moderno sobre guerra dos sexos, emancipação, solidão, liderança diante das adversidades, sem também parecer deslocado.

Robert Forster em Sob o Sol do Oeste

Diante do desafio de nunca se amedrontar diante de um certa agudeza de situações, andando sobre a linha que separam o bom e o mau gosto e prevalecendo ante os riscos, Sob o Sol do Oeste deixa o espectador com uma sensação de liberdade narrativa e jovialidade estética que não é comum sentir, como se estivéssemos presenciando o nascimento de algo muito sofisticado e corajoso, que te leva para onde quer sempre impressionando por sua autonomia e precisão.

Um grande momento
Samuel e Penélope se encontram.

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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