- Gênero: Western
- Direção: David Zellner, Nathan Zellner
- Roteiro: David Zellner, Nathan Zellner
- Elenco: Robert Pattinson, Mia Wasikowska, David Zellner, Nathan Zellner, Joseph Billingiere, Gary Brookins, Gabe Casdorph, Robert Forster
- Duração: 113 minutos
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Observar um gênero inteiro pela ótica do que lhe foi incutido a propósito de lhe revelar e ressaltar, refletir sobre esse estado e virar do avesso cada um dos seus elementos, transformando a experiência em uma muito bem costurada colcha de retalhos referencial, sem jamais perder a organicidade. Essa é a intenção dos irmãos David e Nathan Zellner em Sob o Sol do Oeste, que o título em português já antecipa sua ambiência e, com isso, sua categoria. Ao revisitar o oeste americano e com isso propor uma repaginada no faroeste típico, os irmãos diretores e roteiristas vão além de um revisionismo padrão – sabendo que tal ambição carrega em si o oposto do que seria uma padronização.
Pois pegue um cowboy mocinho, uma donzela em perigo, um “religioso” tipicamente medroso, um vilão fora da lei e junte a uma ambientação clássica do lugar do faroeste – e esqueça tudo isso. Um galã no posto de protagonista alude a uma tendência de proporcionar um assentamento das expectativas, porém esse galã é vivido por Robert Pattinson (de Cosmópolis), um ator que há 10 anos busca incessantemente desconstruir sua imagem, sua carreira e suas escolhas, e aqui em Sob o Sol do Oeste ele mais uma vez avança em seus intentos. Em resumo, Samuel Alabaster é um desajustado em busca de um lugar num mundo que não conhece mas que deliberadamente altera, avançando sobre a narrativa deturpando a mesma.
Desconstrução inclusive não é uma prerrogativa exclusiva de Pattinson, mas a proposta-chave do longa dos diretores de Kumiko: A Caçadora de Tesouros, que voltam aqui a surpreender com suas jornadas inusitadas. Com esse segundo longa, os irmãos Zellner provam que nem esse caráter desconstruído nem seu roteiro surpreendente alijam seu filme de coesão. A ideia é muito arriscada de se apresentar, mas os rapazes evoluem sua carpintaria em relação ao trabalho anterior para deixar cada um desses elementos isolados em consonância com sua ideia de tirar o verniz do tempo sobre eles sem perder a naturalidade de ações e a progressiva de situações em cadeia, sem perder um viés compacto.
Um dos elementos que causam uma ranhura no todo do material é a paisagem ao redor, que impressiona tanto pelo realismo quanto por incidir em planos exteriores, sendo todo o filme baseado em locações. Quando pensamos no faroeste clássico, nos vem a cabeça cidades desertas, saloons e ambientes artificialmente concebidos; aqui temos a natureza como testemunha e refém das imagens produzidas pelos Zellner e dos atos cometidos que rasgam a narrativa com brutalidade e um senso de humor cada vez mais amargo e deslocado, que cria um estranhamento generalizado por se tratar de uma produção que também busca o naturalismo – vide a opção espacial. Em conjunto, Sob o Sol do Oeste impacta pelo tanto de elementos que consegue equilibrar.
De olho nos estereótipos que enfileira, essa produção que competiu no Festival de Berlim almeja tirar esses elementos de uma forma habitual para reenergiza-los sob novos papéis, sociais inclusive. Conscientes de sua apresentação e munidos de coragem, os autores fazem pelo oeste o que a equivocada minissérie Hollywood não consegue fazer pelo Cinema; ao aproximar suas lentes de um passado tão multiplamente retratado, o roteiro atualiza com propriedade os conceitos consagrados no gênero. Então donzelas, mocinhos e o cenário como um todo talvez precisem do oxigênio que o filme emprega para garantir mobilidade desses códigos para o futuro.
Sob o Sol do Oeste, apenas reconfigurando seus dogmas para o nosso hoje, faz muito mais para o faroeste do que a década inteira fez e, ao lado dos filmes de Kelly Reichardt e de S. Craig Zahler (respectivamente O Atalho e Rastro de Maldade), representam a chegada de um novo milênio para o gênero. De maneira muito natural, nos pegamos observando um profundo, imerso nas entrelinhas e moderno sobre guerra dos sexos, emancipação, solidão, liderança diante das adversidades, sem também parecer deslocado.
Diante do desafio de nunca se amedrontar diante de um certa agudeza de situações, andando sobre a linha que separam o bom e o mau gosto e prevalecendo ante os riscos, Sob o Sol do Oeste deixa o espectador com uma sensação de liberdade narrativa e jovialidade estética que não é comum sentir, como se estivéssemos presenciando o nascimento de algo muito sofisticado e corajoso, que te leva para onde quer sempre impressionando por sua autonomia e precisão.
Um grande momento
Samuel e Penélope se encontram.