- Gênero: Drama
- Direção: Mykaela Plotkin
- Roteiro: Mykaela Plotkin
- Elenco: Analu Prestes, Tânia Alvez, Genézio de Barros, Clarissa Pinheiro, Valentina Klause, João Compasso
- Duração: 85 minutos
-
Veja online:
Existe uma categoria de filmes cuja fórmula nem é tão rara assim, mas que nem sempre tal receita consegue surtir o efeito pretendido com a qualidade pensada. São narrativas interligadas por armadilhas de roteiro, onde a graça da produção é montar tal esquema, para que o filme habilmente corteje o erro, para enfim saltá-lo. Como se compreendesse (e de fato deve fazê-lo) as artimanhas, olhasse para o espectador, piscasse para ele, e no momento seguinte saltasse do buraco que fingiu não ver. Esse é o caso de Senhoritas, filme exibido e premiado no Festival de Biarritz e que faz sua estreia no Brasil no Cine PE, mostrando a boa forma não apenas do cinema brasileiro, mas principalmente o de um tipo de cinema.
Não apenas as espertas características apresentadas acima, como também um raro filme para adultos, cuja leveza não seja sinônimo de comicidade, e que tenha algo a dizer a respeito de um recorte de público, sem perder o todo. Senhoritas, bom que seja dito, é um filme de forte carga popular, e esse escaninho não é conseguido ao abrir mão de uma sofisticação de soluções narrativas, ou do próprio discurso que a produção apresenta. A alquimia de resultados positivos que o filme promove é fruto de profundo entendimento a respeito não apenas daquela realidade como principalmente da noção absoluta do ofício de autoria. Ela cabe a Mykaela Plotkin, pernambucana que estreia em longa metragem em equilíbrio invejável.
Rodado há 3 anos, o filme é, entre muitas coisas, um retrato positivado a respeito da maturidade e das resoluções da terceira idade, sem caricatura ou melodrama que transforme o simples em simplório. Em cena, Lívia é uma mulher de 70 anos que só percebe que falta algo na existência quando lhe é apresentada uma nova perspectiva. Na verdade, essa é a história de uma mulher que vivia da melhor maneira possível em seu casulo, até que uma lufada de vento chamada Luci se mostra essencial para uma espécie de equilíbrio das coisas. Independente da idade que separe protagonista e espectador, o que Senhoritas mostra é um conceito universal: como ter tudo o que sempre faltou, sem perder nada do que sempre se teve?
A matemática ideal alcançada por Plotkin é um conceito sensorial de unificar os temas por sensibilidades afins, e mais que isso, por um mesmo grupo de pessoas que agem na vibração do afeto. Através dessa família e da relação entre essa protagonista e sua melhor amiga que ressurge depois de décadas afastadas, o filme procura invadir uma ideia de ‘expectativa e quebra’, em sua construção dramática. Ou seja, parte de uma dualidade entre a doçura permanente e uma saudável reconstrução de verdades particulares, e a inconstância positiva de um roteiro que prega peças no espectador. A cada avanço aparente rumo a algo que tolha um futuro imaginado, Senhoritas parece se divertir em nos provar o contrário do que é esperado, e que muitas vezes é a certeza dos rumos.
A esse roteiro, resta apenas lidar com a naturalidade dos dias, dos reencontros, e das possibilidades. Em mentes mais ansiosas, o conflito esperado demora a encontrar um espaço; no campo do verídico, Senhoritas não tenta domar seu olhar para a simplicidade. Não estamos diante de um grande evento que fará os campos de atuação retrocederem, e sim uma gradual confirmação a respeito do que é mais possível dentro do campo normativo. Senhoritas não pensa sob um código fabular, e renega qualquer busca pelo melodrama em sua forma tradicional. No lugar, entra essa forma mais artesanal na confecção do que seriam os arquétipos narrativos. Abrir mão da ‘jornada do herói’ em sua pegada mais óbvia é onde o filme se arvora de maneira mais, vejam só, surpreendente.
Porque não há uma faixa do imponderável quando o possível dentro do que o filme se arma é o cotidiano, as decisões cotidianas, os diálogos e as construções de personagens cotidianas. Diferente de filmes recentes como Noites de Alface, aqui a sinceridade imbuída no todo é o combustível para a crença do espectador. Tudo é crível, e uma grande carga de responsabilidade disso está nos ombros da direção de atores, que permite a excelência de maneira uniforme. Ainda assim, o destaque dado para Analu Prestes e Genézio de Barros, o casal central cuja química vai além do que o cinema costuma elaborar quando se trata de amor na terceira idade. Muito além. E essa é só uma das muitas curvas sinuosas que esse projeto tão criterioso vence com louvor.
Um grande momento
O choro de Lívia