Crítica | Cinema

Ruby Marinho, Monstro Adolescente

Mães e filhas

(Ruby Gillman, Teenage Kraken, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Animação
  • Direção: Kirk DeMicco, Faryn Pearl
  • Roteiro: Pam Brady, Brian C. Brown, Elliott DiGuiseppi
  • Duração: 85 minutos

O que mais chama atenção em Ruby Marinho, Monstro Adolescente é o fato dessa história em particular estar na zona da animação, porque entre os live-actions esse “acerto de contas” entre mães e filhas já rendeu inúmeras produções. Mesmo entre as animações, Red já tratou disso, de alguma forma, no ano passado. Mas é exatamente pelo fato de ser uma narrativa animada que cria o escopo ideal para esse filme criar uma individualidade em meio a conflitos de gerações. Pais e filhos já tiveram toda a história do cinema para desenvolver essa questão; com o avanço do olhar sobre o feminino, sobre as questões que uma mulher teria (e que não fossem apenas ser conquistada por alguém), as muitas mais ricas problemáticas entre mãe e filha vem ganhando espaço, e realizando suas metáforas de diferentes modos. 

Dirigido por Kirk DeMicco (de Os Croods e A Jornada de Vivo) e Faryn Pearl, Ruby Marinho, Monstro Adolescente é uma história tradicional sobre o início da puberdade, mas igualmente sobre sororidade e mais do que sobre empoderar-se, mas sobre como esse empoderamento não somente é decisivo, como também utilitário. Creio que a figura de Pearl tenha sido preponderante ao lado de DeMicco para instituir o que era evidente nessas vozes, o que é evidentemente humano no filme, e igualmente reger esse apanhado de vozes a fim de elevar todas, e não apenas uma delas. Lógico que, no meio dessa ideia, precisamos também desenvolver o que é fabular e apenas elegível enquanto história de ficção. Acima de tudo, o filme é um produto em larga escala, que precisa ser comprado pelo público independente de suas demandas autorais. 

Ruby Marinho: Monstro Adolescente
DreamWorks Animation

Temos uma heroína a princípio diletante, e um caso de percepção quanto aos papéis sociais que nossa família desempenha, no mundo e na nossa vida. Mãe e filha estão em embate, assim como já estiveram antes mãe e avó, mostrando que o ciclo desses laços de sangue nos propõe a repetição dos papéis, mesmo que muitas vezes não percebamos o caminho das águas se formando. Agatha não percebe de cara que a história com sua filha é um reflexo ao contrário do que fez 20 anos antes com a própria mãe; não aceitando seu destino, fugiu para construir uma história particular, quando sua filha quer justamente seguir o legado. Dizem por aí que os interesses de uma geração pulam sempre a geração seguinte, para voltar com força duas depois – Ruby Marinho, Monstro Adolescente escancara esse mito popular. 

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Outra situação que é deflagrada aqui na aventura é o papel secundário relegado aos homens, em todas as frentes. O pai de Ruby parece ter mais um hobby do que um emprego, seu irmão mais novo é um alívio cômico pontual, seu tio é uma figura sem importância na linhagem familiar, um dos seus amigos é só uma escada para o interesse romântico de outra, e o seu próprio interesse amoroso… não passa disso nunca. São figuras ou desprovidas de linhas gerais, ou como o tio arrancado de funções que ele gostaria de ter, não têm e está tudo bem. A figura bonachona do pai também deixa claro que Ruby Marinho, Monstro Adolescente chega em um tempo onde uma história pode sim ser capitaneada por mulheres, e ter tanta aventura e emoção para agradar qualquer gênero. 

Ruby Marinho: Monstro Adolescente
DreamWorks Animation

E é incrível que Ruby Marinho, Monstro Adolescente venha reafirmar o que já sabemos há mais de 30 anos e Hollywood não conseguiu dominar. Com a exceção de James Cameron, é melhor deixar as profundezas marinhas nas mãos exatas de um grupo de animadores. O colorido, as texturas e a fluência de eventos que ocorrem aqui ainda estão muito longe de ser absorvidas em materiais como os de Aquaman e Pantera Negra: Wakanda Para Sempre. A cidade que abriga a família que se disfarça de canadense (essa piada é muito boa) já é de uma profundidade de campo invejável, inclusive é mais rica em detalhes que o próprio fundo do mar, mas o que vemos ao mergulhar é tão fascinante que se torna impossível não rir nas tentativas de emular o que vemos aqui. 

Com previsão de arrecadação muito inferior ao que merecia, Ruby Marinho, Monstro Adolescente está alinhado ao contemporâneo tematicamente, e sem querer, critica também a indústria, ao mostrar para eles qual o lugar onde o mar é mais azul. Esteticamente tem a exuberância que se pede a uma animação que queira chamar atenção no mercado competitivo de hoje, e sua história conversa com públicos de muitas idades diversas, porque o filme as representa de maneira acertada. Ainda tem a revelação de uma vilã deliciosa, astuta e manipuladora, que nos deixa com água na boca, representando tais figuras de uma maneira que nunca imaginamos. Pode reiterar a rivalidade entre mulheres? Até pode, mas também as coloca como donas absolutas da ação. 

Um grande momento

Ruby diz ao motorista do ônibus de onde veio

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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