Crítica | Streaming e VoD

Talk Show – Reinventando a Comédia

(Late Night, EUA, 2019)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Nisha Ganatra
  • Roteiro: Mindy Kaling
  • Elenco: Emma Thompson, Mindy Kaling, John Lithgow, Hugh Dancy, Reid Scott, Denis O'Hare, Max Casella, Paul Walter Hauser, John Early, Luke Slattery, Ike Barinholtz, Marc Kudisch, Amy Ryan
  • Duração: 102 minutos

Late Night, uma versão de Morning Show (Apple+) mais doce e pueril produzido pelo Prime Amazon foi recordista de acessos no streaming nos EUA e após um delay de quase dois anos chega ao Brasil via a HBO Max. Agora o filme ganha o chamativo nome de Talk Show – Reinventando a Comédia e, não é que, acaba que oxigena o combalido gênero por um meio de uma história sobre os bastidores da TV, rivalidade feminina, preconceito, ageísmo, amadurecimento e solidariedade?

Oprah Winfrey. Martha Stewart. Barbara Walters. Kathie Lee Gifford. Katie Couric. Com exceção da primeira, aqui no Brasil estamos pouco ou nada familiarizadas com esses nomes mas são todas apresentadoras super famosas da TV norte-americana, as Fátimas deles. E Emma Thompson brilha forte — como também o faz em Cruella — como a antipática Katherine Newbury, a âncora de um canal que faz questão de seguir a norma sexista e manter uma equipe de roteiristas apenas formada por homens. O filme então agrega como o principal conflito a chega da Molly Patel (Mindy Kaling) à emissora. E a construção da personagem tem muito da experiência pessoal e memórias da própria protagonista de The Mindy Project, o que certamente eleva o nível do filme, já que ela assina o roteiro e se utiliza da própria linguagem do stand up no arco dramático para explicitar as mudanças de tom no programa televisivo.

Bem dirigido por Nisha Ganatra, Talk Show sustenta a jornada de Molly num ambiente tóxico e sexista de forma bem natural, sem estereotipar os personagens masculinos ou mesmo colocar a rival, a chefona, num patamar de Miranda Priestly – Katherine é extremamente falha, mimada e tão míope em relação a tudo que a cerca porque se acostumou a ser a única mulher num patamar elevado de poder, a “Smurfette” (uma síndrome que acomete muitas histórias do cinema e da TV, onde um grupo tem uma única personagem feminina destacada). Um bom contraponto a personagem dela é Brad (Denis O’Hare), o produtor executivo e único homem que não se exime em dizer verdades a ela e reconhece o potencial de Molly.

Apoie o Cenas

A premissa bem sustentada em Talk Show pela dicotomia entre o “velho e charmoso jeito” de Katherine fazer tv e as ideias arrojadas da nova roteirista evolui para um estudo sobre como silenciar a sua voz para manter a audiência – afinal, a qualquer momento ela pode dar lugar a um comediante que se tornou popular no youtube fazendo piadas xenófobas e preconceituosas – pode ser uma maneira de se tornar irrelevante de um jeito ou de outro.

Talk Show - Reinventando a Comédia
© Emily Aragones / Amazon Studios

“Prefiro ser cotista do que entrar por nepotismo”

Sem cair nas armadilhas da sub representação, do desejo tão grande que move boa parte dos estudios e produtores executivos em dialogar com as redes sociais e trazer histórias diversas — no caso, calcada no feminismo, a colaboração entre as duas personagens — Talk Show vai pelo caminho do meio, entra a sutileza numa cena onde Molly pega no flagra o roteirista e concorrente direto Tom (Reid Scott) consolando o irmão que perdeu a vaga na sala de roteiristas pra ela e o retruca — “eu pelo menos tive que vencer mulheres e minorias. Você só teve que nascer”. E pela total necessidade de tentar algo diferente para não ser substituída pela presidente da emissora, Katherine começa a dar espaço para ela e percebe que, afinal, podem existir outras mulheres tão talentosas quanto ela.

“Você foi condecorada, Dame Katherine Newbury?”, “Sim, mas Cavaleiro soa muito melhor não? Seria como Lancelot, mas Dame é apenas uma senhora na fila do supermercado.” Tiradas melancolicamente espirituosas como essa recheiam o filme, cortesia de Mindy que faz um jogo de cena bom demais com Emma Thompson. Inclusive como Talk Show engaja quem assiste, sem precisar apelar para os aplausos ensaiados, tão tradicionais nos programas de auditório, porque tira vantagem das pequenas e costumeiras situações tragicômicas da vida as colocando num contexto midiático.

Como é se relacionar com o cara bonito porém canalha da firma (o personagem vivido por Hugh Dancy) que quer subir na profissão inclusive tendo caso com a chefe – inclusive uma inversão de papeis que não é apenas uma mudança de gêneros pois bem trabalhada na trama -, que entende que precisa seduzir Molly para manter seu status. Ou a necessidade de Molly em assumir uma posição menos subalterna para poder realmente fazer jus a sua voz e seu talento, como quando bate o pé sobre a necessidade de Katherine mostrar sua verdadeira face, brincar sobre o complexo da salvadora branca num quadro do show, compartilhar suas opiniões, ser mais acessível e ser menos preconceituosa.

Talk Show - Reinventando a Comédia
© Emily Aragones / Amazon Studios

“Eu entendo é um lance feminista”

De forma conclusiva, Talk Show vai pontuando que para as mulheres sempre é mais árduo obter reconhecimento mesmo que se consiga uma oportunidade, ela vai vir por uma necessidade da empresa em ser mais diversa e menos sexista mas que é importante não perder de vista como se pode potencializar e aproveitar oportunidades para se alçar, abrindo caminho para outras.

Um grande momento
O “número 2” no banheiro das mulheres

Curte as críticas do filme? Apoie o site!

Lorenna Montenegro

Lorenna Montenegro é crítica de cinema, roteirista, jornalista cultural e produtora de conteúdo. É uma Elvira, o Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema e membro da Associação de Críticos de Cinema do Pará (ACCPA). Cursou Produção Audiovisual e ministra oficinas e cursos sobre crítica, história e estética do cinema.
Assinar
Notificar
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver comentário
Botão Voltar ao topo