Crítica | Cinema

Casa Vazia

Restos do passado

(Casa Vazia, BRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Giovani Borba
  • Roteiro: Giovani Borba
  • Elenco: Hugo Noguera, Alexandre Accorssi, Nelson Diniz, Araci Esteves, Roberto Oliveira, Liane Venturella
  • Duração: 84 minutos

Raul é o nome de dois protagonistas masculinos de filmes brasileiros que estreiam essa semana, o de Depois de ser Cinza e o desse Casa Vazia. Suas semelhanças vão além do nome: ambos estão aprisionados por uma ausência que é mais sentida do que verbalizada, ambos não sabem lidar com seus sentimentos e com esse espaço vazio que se constituiu, ambos vão tentar buscar respostas para esse vácuo em atitudes desesperadas. De um lado, um jovem globalizado em busca de acertar seu lugar depois da perda, e desse aqui, um homem avançado da meia idade que não encontra sentido na solidão que lhe coube. Aqui, embora seja uma narrativa cuja palavra é usada com muita economia, tem muito mais a dizer que na outra produção, cujo lugar a ser decifrado traga muito mais o interior – do país e do humano. 

O diretor e roteirista Giovani Borba pinta um retrato melancólico do início da velhice, sem deixar sua premissa ser emperrada pela elaboração de signos. Isso porque Casa Vazia também é um estudo de personagem sobre um homem sem muito o que revelar ao mundo, ou seja, um trabalho de carpintaria complexa. Raul não sabe porque foi abandonado mas foi, e dessa experiência ele tenta encontrar ânimo para compreender o que aconteceu, sem responder as perguntas que martelam em sua direção. Talvez seu silêncio justifique o mote narrativo e complete as lacunas de um mundo em pleno estágio de mudança, mesmo em lugar tão afastado e de valores tão arcaicos. Vivemos um tempo de evolução coletiva, e quem estaciona na existência, é deixado para trás. 

A fotografia do sempre impressionante Ivo Lopes Araújo não delimita esse personagem no plano, pelo contrário; Raul tem todo o espaço possível para si, inclusive no horizonte. O que cada enquadramento e iluminação faz ao protagonista é apresentar-lhe o mundo novo que se anuncia, para então colocar em suas bordas um limite de espaço cênico. Através da aproximação típica do close, Casa Vazia experimenta uma forma de dissecar um homem pelo que ele representa à câmera e à aproximação do outro. No entanto, sua decisão é pelo mesmo recolhimento que provavelmente lhe tirou a família, mostrando que um homem só é o que pode ser mesmo. A natureza da imagem é contrária às vontades de seu protagonista, o que permite esse embate silencioso pelo constante posicionamento do seu corpo em cena. 

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O trabalho de Hugo Noguera como esse tipo taciturno, que provavelmente não esconde nada e por isso mesmo é tão produto de outro tempo, é o que envolve o filme nessa aura a ser descoberta. Sua presença é o que faz com que Casa Vazia alcance a reverberação necessária na colocação acerca de sua utilidade; onde Raul ainda cabe hoje? Vivenciando o descarte a cada cena, tendo a certeza de que seu tempo se esgotou, não é apenas o Homem que ficou para trás, mas o modelo que conhecemos e que se imaginava ter dado certo, por tanto. O rosto e o corpo de Noguera entregam que a ampulheta já esgotou todo o seu conteúdo e não de uma maneira direta, mas aí sim metaforizando sua presença; não há país para um homem velho. 

Parafraseando acima o título original do clássico dos irmãos Coen (Onde os Fracos Não Tem Vez), Casa Vazia discorre sobre qual espaço sobrou para o passado, quando o futuro nos observa já empunhando suas armas. Se as paredes antes ocupadas hoje só fazem lembrar de uma época que se perdeu, o último grito talvez seja o fim de tudo. Para que então possamos começar uma história verdadeiramente nova, renegando um papel que não quer desempenhar, é chegada a hora de se despir do que não serve mais. Borba nos mostra da maneira mais ambígua possível que o Homem que ainda estreia por aí está em vias de desaparecer, seja na placidez do oceano ou na fúria do fogo; ele só precisa morrer. Para nascer outra coisa. 

Um grande momento

Falando dos filhos

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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