A coletiva da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo foi, como sempre, reveladora de títulos, mas também, desde o ano passado, reveladora de tendências on-line que parecem que vieram realmente para ficar. Embora não pareça um consenso em relação a como cada um lida com as demandas de realizar um evento híbrido, as dificuldades de dividir as preocupações em duas, as preocupações de manter no ar duas Mostras em uma, a experiência bem sucedida de público do ano passado fez o virtual se tornar inevitável, e suas consequências parecem ser sentidas nos quatro cantos, com um público satisfeito de acompanhar remotamente um evento que nunca tinha chegado até eles antes, ao mesmo tempo em que reclamações ainda irão pulular em relação ao grandes nomes que provavelmente só estarão no presencial.
A diretora da Mostra, Renata de Almeida, falou sobre os novos tempos, se emocionou verdadeiramente com o estado das coisas no país e os ataques que a imprensa sofre pelo desgoverno, e acabou trazendo um lastro de humanidade muito verdadeiro a uma cerimônia que geralmente tem um quadro de momentos, digamos, engessados. Sua emoção nos pegou pelo pé e deixou clara a ausência que estamos de encontro. Em meio a discursos repetitivos e novidades recorrentes que na verdade têm pouco de novas, a emoção de Renata foi o ponto alto de uma coletiva fora dos padrões, pelo seu aceno à humanidade e ao afeto.
Desde o anúncio do material gráfico desse ano, envolvendo ilustrações do mestre Ziraldo, já vinha se avizinhando o caráter emocional da Mostra esse ano, uma imagem que, como disse mesmo Renata na abertura, foi uma unanimidade em aprovação. A seleção dos filmes nessa coletiva faz os cinéfilos de todo país parar pra igualmente se emocionar, por ter a oportunidade de esbarrar em obras premiadas no mundo todo e que estão ainda frescas na nossa ansiedade.
Pra quem curte o título “vencedor”, a 45ª Mostra está recheada deles: Palma de Ouro em Cannes (Titane, de Julia Ducourneau), Urso de Ouro em Berlim (Má Sorte no Sexo ou Pornô Amador, de Radu Jude), Concha de Ouro em San Sebastian (Lua Azul, de Alina Grigore), Leopardo de Ouro em Locarno (Vengeance is Mine, All Others Pay Cash, de Edwin) — todos vieram. A ausência de L’evenement, de Audrey Diwan e vencedor do Leão de Ouro em Veneza, foi sentida mas já era esperada; o Festival de Veneza, por acontecer somente um mês antes da Mostra, sempre tem sua seleção prejudicada por aqui. Mas a seleção italiana não está absolutamente descartada. Rússia, Ucrânia e Polônia, que passaram pelo italiano, estarão na Mostra, além do curta Ato de Barbara Paz e do longa Deserto Particular de Aly Muritiba, premiado pelo público por lá, também estarão aqui.
Nomes expressivos como os de Hong Sang-Soo (com dois títulos), Wes Anderson, Ryusuke Hamaguchi, Ildikó Enyedi, Tsai Ming-Liang, Mia Hansen-Love, Andrea Arnold, Bruno Dumont e Apichatpong Weerasethakul marcarão presença na Mostra. A ala nacional também surpreendeu pela quantidade expressiva de novas produções de cineastas consagrados, tais como Lais Bodanzky, Karim Aïnouz, José Eduardo Belmonte, Joel Zito Araújo, Anita Rocha da Silveira, Paulo Caldas, Mauricio Farias, além de uma homenagem a Ziraldo, feita pela filha do desenhista, Fabrizia Pinto, em Ziraldo: Era uma Vez um Menino.
A lista de ausências também é expressiva (além da já citada Diwan, chamam a atenção Pedro Almodóvar, Joachim Trier, Pablo Larraín, Kenneth Branagh, François Ozon, Sean Baker, e tantos outros), mas em um ano repleto de emoção e de expectativas, além de uma seleção verdadeiramente suculenta, o copo precisa ser visto como meio cheio — até porque de fato não é uma seleção fraca de forma alguma. E, vai que recebemos alguma surpresa durante as próximas semanas e é anunciado um grande acréscimo a seleção já enorme? É esperar pra ver… até porque já teremos MUITA coisa pra ver.
A 45ª Mostra de São Paulo acontecerá de 21 de outubro a 03 de novembro, em formato híbrido de exibição. Os 265 títulos de vários países das seções Perspectiva Internacional, Competição Novos Diretores e Mostra Brasil serão apresentados no circuito de salas de cinemas da cidade de São Paulo e também nas plataformas Sesc Digital, Itaú Cultural Play e Mostra Play (todas acessadas pelo site da Mostra: www.mostra.org).