- Gênero: Drama
- Direção: Hlynur Pálmason
- Roteiro: Hlynur Pálmason
- Elenco: Elliott Crosset Hove, Ingvar Eggert Sigurðsson, Friðrik Friðriksson, Vic Carmen Sonne, Jacob Lohmann
- Duração: 135 minutos
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Um olhar para um outro senso de ritmo, aquele compreendido através de sentidos quase não utilizados pelo Homem. É uma deflagração da natureza pelo olhar de quem a destrói, ou quem a captura, sem deixar a impressão real no momento do roubo. Em Terra de Deus, é assim que encontramos Lucas, um pároco incumbido de registrar imageticamente uma região isolada da Islândia há mais de 150 anos atrás. Inspirado nas fotografias reais do período, o filme se dedica a explorar sensorialmente seus aspectos, sem interferir no roteiro a título de nomear ações ou sentimentos. A investigação é quase puramente imagética, e isso concede à produção uma reflexão onde a fé de cada um cumprirá papel decisório em cada movimento, seja em qual direção for.
Dirigido por Hlynur Palmason com o rigor que já tínhamos conferido em A White, White Day, o filme compreende duas partes quase complementares, mas de pouca comunicação direta. Isso porque a primeira consiste nessa instância de contemplação de uma construção religiosa que incide principalmente na interação entre o Homem e o Reino Divino. Sua relação com o que é orgânico e o que é artificial, com o que o título do filme predomina, e de como esses seres também se encaixam nessa terra. A construção orgânica do que é criação do homem e do que é maior do que ele, sua pequeneza diante da magnitude da terra e das coisas. Essa primeira parte parece ter uma inspiração no Cinzas do Paraíso de Terrence Malick em particular, e toda sua filmografia no geral; a ligação profunda com essa dicotomia entre dois pólos de entendimento.
Esse primeiro tomo é o mais inspirado da produção, quando suas intencionalidades estão diluídas entre as imagens, e os eventos se encontram enevoados. É quando a amizade entre o padre Lucas e Friðrik se revela sem maiores fabulações; é o encontro entre esses homens e o que é maior que eles, seu berço e seu nêmesis. A água como símbolo da vida e da morte, assim como o fogo – Terra de Deus abre espaço para que todos os elementos entrem de maneira espetacular e sem culpabilização. Há beleza para todos, e há uma identificação geográfica do filme com os seus personagens, que vão sendo tragados por todos os lugares onde passam. Se tornam parte integrante do todo, que acaba por nos colocarmos em novos espaços, com novas descobertas de afetos.
Esse contraste entre o mundano e o celeste acaba ficando mais marcada em Terra de Deus com a chegada da segunda parte, onde entendemos a principal motivação do padre Lucas nessa viagem, numa vila isolada. O filme perde a contemplação inicial e ganha ares de dramaturgia comum, com desdobramentos de ações e ganchos de situações. Não é como se fosse uma queda de qualidade, mas uma mudança de rumo substancial para uma produção que já parecia revelada em suas certezas. O roteiro se torna então uma peça mais evidente da narrativa, e a direção se afasta da proposta inicial de super closes e uma espécie de sublimação dos afazeres comuns. Ainda que o filme guarde características de seu início (a descoberta imagética do cavalo, por exemplo), essa segunda parte incorre no filme em um material mais didático, menos mítico.
O que eram então sentidos e energia, passam a ser concretude e racionalidade. Como se o filme saísse de um lugar de ‘Deus’, para o lugar da ‘terra’, separando as palavras do título. Ao mesmo tempo, não é à toa que o batismo foi feito como Terra de Deus; é como se Pálmason compreendesse que tudo é sagrado, as coisas, os lugares, os animais, os homens e as criaturas, tudo partiu do Criador. Tanto os segmentos são complementares, conforme já dito, quanto os elementos que os formam. Mas fica a impressão de que faltou um equilíbrio de vibração, que seja, entre uma passada e outra, criando quase uma espécie de continuação já dentro da produção; evidentemente dois filmes dirigidos pelo mesmo diretor, mas com essa impressão forte.
Terra de Deus, que se anuncia tão plácido e absorto em imagens de teor puro, vai perdendo esse caráter límpido em sua argamassa. Aos poucos, o que temos é um filme de crescente estado de tensão, onde Deus faz cada vez menos diferença, e o Homem parece ganhar sempre uma guerra que ele mesmo inicia. Não há saída para o que está estabelecido na formação humana, que destoa em absoluto do que a ordem civil determinou. Fica a certeza de que o atraso e a luta contra o fundamentalismo é uma faca que não sabe que lado corta; eventualmente, fere a todos.
Um grande momento
O sonho da enguia