Crítica | Festival

The Underbug

(The Underbug, IND, 2023)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Shujaat Saudagar
  • Roteiro: Abbas Dalal, Hussain Dalal, Shujaat Saudagar
  • Elenco: Ali Fazal, Hussain Dalal, Areenah Fatima
  • Duração: 68 minutos

Observar a natureza. Nada nessa calma bucólica das primeiras lentas imagens nos prepara para as tensas próximas sequências de The Underbug, onde um homem perambula por uma casa vazia, com rastros de sangue por todos os lados. Um rádio fala ao longe sobre manifestações, independência e embala o desbravar assustado do lugar, enquanto a trilha cresce e vai aumentando a ansiedade do espectador que o acompanha. Há algo de sobrenatural. Nós sabemos, mas ele ainda não.

O terror se dá pelo desconhecimento, pela incerteza do que pode acontecer. O diretor Shujaat Saudagar trabalha bem os sentidos nesses primeiros momentos, prolongando a suspensão e o estranhamento. A ruptura vem junto quando a ameaça humana surge e o embate se estabelece naquele espaço restrito. Há um quê de masculinidade tóxica e conflito étnico social que interessa, mas o desequilíbrio das atuações de Hussain Dalal, mais consciente e equilibrado, e Ali Fazal, histriônico e excessivo, atrapalha um pouco a dinâmica.

Ainda assim, The Underbug é eficiente na construção do medo. E usando técnicas básicas para isso, com barulhos desconhecidos que surgem para interromper uma briga, a luz que vai se adequando aos espaços e uma câmera que percorre os espaços para além dos corpos em uma busca que quase nunca dá resultados. Isso sem falar em pequenas pistas deixadas pelo caminho ou imagens fantasmagóricas que surgem com esse único intuito. 

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Assumindo o ritmo dos eventos, The Underburg é um filme de sensações, onde forma e conteúdo se confundem. Em uma estrutura picotada por cortes bruscos, a porta que bate aqui leva à câmera nervosa dali e ao foco impreciso. A noite que cai acabando com a luz, leva à natureza e faz voltar para a divagação crente. Eles estão presos naquele lugar e, como algo que nunca se mostra por inteiro, ao mesmo tempo que é impossível saber o que aconteceu ali, o destino de ambos é imprevisível. Ou quase isso.

Sem afastar-se de sua lógica, o longa entrega-se ao delírio, com figuras do imaginário que se confundem com símbolos míticos. Os personagens, em momentos de relativa irrealidade, têm a chance de se mostrar e falar de temas até então ignorados. Saudagar nos leva com eles a um momento de pausa, despertando a curiosidade pela associação. Até que separe a percepção novamente. Porque o mais interessante do longa é que quase nunca estamos no mesmo lugar que aqueles dois homens.

Há o momento do susto para quem vê o filme e o momento do susto para os personagens, em camadas diferentes. O protagonista, por exemplo, passa por um evento real que não se concretiza, mas o espectador o comprova e, depois da tensão, vai ser pego numa brincadeira que só funciona dentro da tela, por conta de sua tensão. É assim que The Underbug segue até o seu clímax, sua grande revelação, que vem sem obviedade. O lugar onde chega acaba sendo o esperado e possível. Como num círculo, nessa narrativa que não se encerra, volta ao início para observar novamente a natureza e aquilo que não se tinha visto antes.

Um grande momento
O que não se viu

[Slamdance Film Festival 2023]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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