Crítica | Festival

O Lago da Perdição

Por dentro e por fora

( La Virgen de la Tosquera, ARG, ESP, MEX, 2025)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Laura Casabe
  • Roteiro: Benjamín Naishtat
  • Elenco: Dolores Oliverio, Fernanda Echevarría, Luisa Merelas, Isabel Bracamonte, Candela Flores, Agustín Sosa, Dady Brieva
  • Duração: 93 minutos

O real e o fantástico se misturam para falar das inquietações da adolescência e da tensão social em O Lago da Perdição, longa-metragem de Laura Casabé que leva para o cinema a estranheza de contos de Mariana Enríquez (“El carrito” e “La virgen de la tosquera”). No verão de 2001, às vésperas do colapso econômico argentino, o filme acompanha Natalia, Diego e Silvia e seus dias em um lago de pedreira. Neste cenário de encontros e mistérios, além dos conflitos naturais de um triângulo amoroso – com jogos, competições e sentimentos como inveja e ciúme –, fazem parte de um grande metáfora de transformação e desejo.

A narrativa não se limita ao drama pessoal. O roteiro de Benjamín Naishtat busca o desconforto de um país em crise, que aparece não só como pano de fundo passivo, mas como algo que determina as interações e o modo de se relacionar. Há uma sensação constante de instabilidade, seja econômica, emocional ou até mesmo física, que define o comportamento dos personagens e intensifica a atmosfera.

A atriz Natalia de Dolores Oliverio, com a descoberta de suas forças, é contida e impactante. Longe de ser apenas uma jovem apaixonada, é alguém que descobre sua sexualidade ao mesmo tempo em que percebe a complexidade do que acontece ao seu redor. A chegada de Silvia, mais velha e experiente, não só desloca a atenção de seu objeto de desejo como revela fissuras nas dinâmicas de poder. Amadurecer, naquele contexto, é também encarar a violência implícita das estruturas existentes.

A diretora traduz visualmente a tensão com uma representação quase física do calor. A fotografia aposta em tons saturados, criando um verão sufocante que mistura sensualidade e opressão. O lago, por sua vez, é sempre mais do que paisagem, e carrega um peso simbólico que mistura lenda, ameaça e rito de passagem. O elemento fantástico vem diluído na realidade, como se brotasse dela naturalmente.

O Lago da Perdição se firma como um filme que prefere deixar perguntas. Ambíguo, equilibra desejo e perigo, intimidade e estranheza. O resultado é uma adaptação que encontra força na fusão entre o real e o imaginário, se colocando como mais um capítulo interessante da nova ficção argentina que transita entre o político e o pessoal com muita sutileza.

Um grande momento
Fogo

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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