- Gênero: Terror, Comédia, Drama
- Direção: John Logan
- Roteiro: John Logan
- Elenco: Theo Germaine, Kevin Bacon, Anna Chlumsky, Quei Tann, Austin Crute, Anna Lore, Monique Kim, Cooper Koch, Darwin Del Fabro, Carrie Preston, Boone Platt, Hayley Griffith
- Duração: 104 minutos
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Estreia exclusiva do Premiere Telecine, fico tentando entender o porquê de They/Them – O Acampamento ter sido tão duramente criticado pelo espectador. O filme tem uma discussão sobre homofobia através de acampamentos de conversão de orientação anos-luz mais positiva e bem engendrada que Boy Erased e O Mau Exemplo de Cameron Post, um roteiro muito mais bem escrito, uma atmosfera muito mais bem construída, é bem melhor dirigido, e tem a inclusão dos códigos de cinema de gênero que só o melhoram. Tenho a impressão de que foi feita uma leitura equivocada sobre o que é, em essência, a produção; ao comprar o filme, não leram a receita. Porque tudo a que o título se propõe, é realizado de maneira competente e bem azeitada.
Essa é a estreia na direção de John Logan, roteirista já indicado ao Oscar por coisas como O Aviador, A Invenção de Hugo Cabret e Gladiador, além de também ter escrito Rango e Skyfall. Logo, não lhe falta experiência, e isso é comprovado pela dinâmica que cria entre os personagens, pelo desenho de todos que é muito apurado, pela ambientação de seus conflitos, é tudo de profundo bom gosto. Não há sinal de deslize na produção, no que concerne às suas reflexões. They/Them – O Acampamento flerta o tempo todo com muitas possibilidades de gênero narrativo, indo do drama ao terror slasher, passando pela comédia de humor negro, o musical e o suspense psicológico. Quase tudo que é tentado, é conseguido, porque a experiência do seu autor abre espaço para que nenhuma dessas tentativas soe vazia ou desnecessária; tudo tem substância e relevo.
Como diz um grande amigo, o cinema de gênero, seja ele o horror, a comédia, o suspense policial, abriga maiores possibilidades que o dito cinema mais elevado, que é o dramático puro. Esse cinema de comunicação direta, sem subterfúgios, acaba por alcançar suas intenções de maneira igualmente direta, e faz isso através de ações menos demarcadas, mais livres de propósitos. Em They/Them – O Acampamento, o terror é só uma porta de entrada para um debate acerca de preconceitos de ordens das mais diferenciadas, inclusive as que estão incrustadas dentro da própria comunidade LGBTQIA+, cometidas por membros de uma letra para com as outras. O filme é corajoso na forma como encorpa sua discussão, discutindo cada personagem e sua particularidade, isso tudo é tratado de maneira ampla sem parecer didática; como são pessoas que estão se conhecendo, elas precisam se abrir.
Tudo ali está sendo exposto de maneira suave. O personagem de Kevin Bacon precisa ser sedutor, a personagem de Anna Chlumsky precisa ser questionadora, porque também é novata no local. E os jovens todos estão muito bem representados, porque o filme propicia um número abrangente de tipos, pra dizer entre outras coisas que ser ‘queer’ não é ser uma coisa única, uma massa toda igual. Aliás, essa é uma afirmação que vai sendo refeita com cada vez mais propriedade ao longo de todo They/Them; suas personagens refletem o nosso mundo, nos surpreendem com suas ‘revelações’ e abrem um campo de análise muito maior do que pressupomos. Assim sendo, há um microcosmo da comunidade sendo observado e tratado em cena, em todos os contextos servindo para diferentes fins.
Logan reafirma suas qualidades como roteirista, e deixa claras as suas capacidades como realizador também, porque sabendo de que gênero seu filme se disfarça, ele trata grande parte das sequências como grandes viagens de montanha-russa, cheia de altos e baixos e surpresas, menores ou maiores. Mesmo as cenas mais banais são repletas de um suspense crescente, por não sabermos a que ponto o filme quer chegar, onde ele vai tentar crescer. Ou seja, o filme não esquece sua trajetória cinematográfica para fazer valer uma tese sociológica; há a discussão de sua persona ‘viada’ e há um mote de cinema de horror que precisa ser cumprido, sem essa de ‘abandonar’ uma coisa ou outra, como taxaram. Nada é desaproveitado, e o espaço para os códigos não são perdidos.
They/Them ainda consegue ser esteticamente bonito, do ponto de vista cinematográfico. Bem fotografado e bem montado, o filme se estabelece dentro do gênero de maneira completa, com um bom trabalho de som e uma trilha sonora pontual e adequada. Além disso, é um filme protagonizado por atores trans (Theo Germaine e Quei Tann) em um gênero onde isso nunca foi uma preocupação – essa representatividade não é vazia, e não deveria estar limitada a um filme onde esse filme a aborda. Mas é um espaço delicado que o filme abre, e que deveria ser mantido assim aberto, até porque são ótimos atores. Vale também destacar o trabalho de Bacon, mais uma vez entregando um trabalho acima da média e cheio de nuances; nunca sabemos exatamente até onde irá seu Owen, e isso não poderia ser melhor.
Uma das coisas que podem ter determinado a decepção das pessoas para com They/Them deve ter sido justamente o lugar do cinema de gênero, onde isso poderia ter faltado na proporção do que costumamos ver em obras do gênero, principalmente esse tipo de filme de ‘assassino que empilha cadáveres’. Ninguém parou para elaborar a seguinte reflexão: horror para quem? Para o sujeito LGBTQIA+, o horror está em quase cada cena do filme. Quando é revelada a revelia do indivíduo, detalhes de sua sexualidade; quando uma pseudo sessão de análise se transforma em câmara de tortura psicológica; quando obrigam jovens a atirar, e posteriormente, matar. Sim. Bom, se alguém vê essas cenas e não consegue enxergar o horror absoluto entranhado em cada uma delas, é porque absolutamente não está naquele lugar, nem mesmo o lugar empático.
Em determinado momento poderia vir a cabeça de quem assiste They/Them – O Acampamento que tipo de mensagem está passando um filme que se pretende um ‘slasher’ onde pessoas gays estariam sendo ameaçadas, ou que profissionais homofóbicos estariam sendo mortos. Reforçar estáticas contra a população LGBQTIA+, ou recriar a sugestão de que o sujeito ‘queer’ seria propenso a violência? Nem uma coisa nem outra, porque Logan sai pela tangente nos assuntos, de maneiras acertadas. E ao colocar em pauta outros debates, a respeito da auto aceitação, por exemplo, ou empregar com protagonismo sujeitos trans, o filme abraça sim um lugar de respeito, honestidade e igualdade, até chegar ao cúmulo de emocionar, por mais de uma vez. Uma grande surpresa de 2022, inclusive de como está sendo diminuído e subestimado.
Um grande momento
‘Fuckin’ Perfect’
Amei