Crítica | Festival

Transversais

Novas transições

(Transversais, BRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Emerson Maranhão
  • Roteiro: Emerson Maranhão
  • Duração: 86 minutos

A naturalidade com que Emerson Maranhão invade os universos de cada personagem de seu novo filme, Transversais, nos leva para dentro da produção, cria um laço automático do público com trajetórias tão díspares de seus núcleos, e amarra suas trajetórias sem unificar suas personas ou rascunhar de maneira supérflua o olhar que lança para eles. Uns mais e outros menos, cada um dos escolhidos para situar suas verdades em cena são providos de carisma, histórias de vida com desenhos claros e cuidado em amplificar suas vozes, por se tratar de um grupo de pessoas que têm identidade própria e não precisa ser tratado como um grupo fechado.

Já é a segunda vez que Maranhão encontra os dois Caios, personagens já relacionados em Aqueles Dois, curta premiado de sua autoria que retoma aqui os dois protagonistas, dividindo a cena com três mulheres igualmente transexuais. O diretor compreende esse universo, é sensível a ele e o respeita, sem tentar transformar seus retratados como variações de um mesmo tema – pelo contrário, o detalhamento que faz de suas motivações e de suas intempéries pessoais é o que chama a atenção no quadro que pinta. A partir daí o filme situa o filme não apenas nas informações gerais, mas no afeto que deles emerge através de relatos de suas interrelações.

Transversais
Deberton Filmes

Sabendo que o cinema nacional tem se debruçado sobre esse universo com algum interesse, o filme abre questões emocionais mas também político-sociais para nos conectar a cada um dos protagonistas. Transversais não foge do mergulho profundo naquelas margens apresentadas já com tanto desvelo anteriormente; dessa vez, ao também garantir a cada um dos tipos também uma verdade pública, além da privada, temos a ciência de que não há negligência de informação, ou mesmo condução paternalista. O tom é de compreensão e orientação a cada nova voz ou questão apresentada, ampliando o campo que o curta-metragem já abordava.

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O material apresentado guarda alguns acertos indiscutíveis, mas tem um olhar ainda condicionado à estrutura tradicional do documentário, com depoimentos sendo adicionados com as esperadas cabeças falantes, e sem uma aproximação menos impessoal de sua disposição cinematográfica. O que é guardado como pontos positivos inadvertidamente passa por um dos Caios, exatamente o que revela sua ligação com o candomblé, criando assim um personagem muito mais complexo, profundo e tridimensional do que uma leitura superficial faria surgir. Sua fatia proporcional acaba tendo um destaque merecido, diante do que ele apresenta em suas camadas.

Deberton Filmes

Outro acerto já citado, o entorno de cada um que é muito focado durante a produção, também faz surgir outros pontos fascinantes ao seu todo, como os pais dos personagens, cada um com entregas absolutamente distintas em relação a reconfiguração familiar que o filme adquire ao serem comunicados a respeito das verdades de seus filhos. São homens que não tinham muitas vezes a dimensão do tema que encontram na própria família, mas que encontram no amor que sentem por seus filhos a chave necessária para uma reviravolta em valores que não sabiam ser tão profundos, e ao mesmo tempo tão adaptáveis a um novo estado das coisas.

Com o público já conhecendo parte do elenco da produção anterior, Transversais acaba por ser atraído com mais frequência por seus personagens masculinos, que também ganham contornos mais definidos da montagem de Natara Ney. Delicado e pungente em alguns momentos, o filme marca um belo gol no quesito emocional; impossível não se envolver com histórias tão bem narradas por cada um deles. Já a parte imagética é mais propensa a um personagem do que aos outros, o que provoca uma desarmonia no quadro estético e narrativo da produção, que se agiganta a cada vez que Caio surge.

Um grande momento
O pai de Lara

O crítico viajou para o 15º For Rainbow – Festival de Cinema e Cultura de Diversidade Sexual e de Gênero a convite do evento

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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