(Vertigo, EUA, 1958)
Neste ano, completam-se 40 anos que Alfred Hitchcock nos deixou. Um Corpo Que Cai, embora não tenha feito muito sucesso em seu lançamento, tornou-se uma das mais cultuadas obras do diretor, chegando a ser considerado por muitos o seu melhor filme. E talvez seja o longa-metragem que melhor traduza a ideia de um bom suspense para o realizador inglês mesmo.
O filme tem como base uma trama tola de assassinato e investigação, mas não é na trama propriamente que o diretor se interessa e sim em tudo aquilo que pode fazer com ela. Dando a sua narrativa o andamento de sensações, ele transita entre fragilidade mental, suspense sobrenatural e obsessão. Seu Um Corpo Que Cai não é um filme, mas mais de um e com quebra clara entre eles.
Para fazer com que o público acredite em tudo o que vê ele constrói um personagem complexo, claramente transtornado. O policial aposentado Scottie (James Stewart) é apresentado em sua última ação em campo, perseguindo um bandido pelos telhado. Lá acontece um acidente e do trauma vem a sua primeira fragilidade, a acrofobia, ou medo de altura. Mais uma vez, embora essa seja a base da trama primeira e o motor para que esse personagem se desenvolva, a preocupação de Hitch é em traduzir a sensação em imagens. E o faz muito bem.
Naquele momento, o diretor avisa ao espectador que sua intenção é provocar, fazendo com que os caminhos da mente de Scottie sejam o seu ponto de interesse. Ele pontua a trama com passagens tradicionais e as usa para construir o universo em que aquele personagem está inserido. Assim é nas passagens com Midge e Gavin, onde crenças e posturas se apresentam para serem quebradas mais adiante.
Quando Madeleine Elster (Kim Novak) finalmente se apresenta, Scottie se perde. A cena do primeiro encontro antecipa a paixão. A câmera de Robert Burks quebra a gramática construída até ali, interfere na simples observação, e, em close dá margem para o nascimento da obsessão que permeia o filme. É esse sentimento que faz com que o policial mergulhe no desconhecido e que dá a Hitchcock o caminho para fazer o seu melhor: apagar qualquer certeza de quem vê o filme e, com isso, criar o suspense. Assim como Scottie, não se sabe mais o que é verdade ou mentira, o que é imaginação ou realidade.
A primeira parte então se conclui e traz um novo trauma e uma nova fragilidade ao personagem, mais uma coisa que ele não consegue superar. É nesse sentimento de confusão mental que o diretor vai embasar a segunda parte do longa, com o surgimento de Judy Barton, também vivida por Novak. Daí em diante não é mais o suspense que impera, mas sim um dos retratos mais perturbadores da obsessão. Aquela que era reconhecida como paixão na primeira parte, transforma-se em uma alienação possessiva e sem limites.
É angustiante ver como Judy se sujeita a absolutamente tudo o que o personagem de Stewart determina, sensação obviamente atiçada pela transformação das tomadas solares no exterior para internas que vão escurecendo e se tornando menos espaçosas aos poucos. O filme vai perdendo a luz e a vida, assim como as duas personagens em sua relação doentia.
Quando Judy se joga nos braços de Scott e a câmera circunda o casal, dando lados e ângulos para destacar algo claramente desesperado e repulsivo, Um Corpo Que Cai chega a seu ápice e Hitchcock atinge o seu objetivo. A trama segue mais uma vez tola rumo ao seu desfecho, mas a perturbação além dela a acompanha até o seu último minuto, ou melhor, até muito tempo depois.
E aquele ponto tantas vezes destacado pelo diretor britânico se comprova de maneira irrefutável, não é a história que se conta, mas sim o que você é capaz de fazer sentir com ela.
Um Grande Momento:
Agora você me ama?