Vagalumes

Todas as criaturas da noite

Devassar a noite e todos que dela precisam para continuar existindo, resistindo e persistindo. Através de uma conhecida zona de encontros “madrugadeiros” do Rio de Janeiro, saciar uma sede por desvendar o que há de solitário em seres noturnos, estejam eles à procura do que for depois que o sol se põe. Vagalumes, o filme, anseia por representar os vagalumes, insetos, corporificados através do brilho fugidio que emana de seus personagens em busca de algo.

O que seria esse facho encantado que alardeia ao redor do bosque protegido pela escuridão? Todos buscam respostas que os reconecte à luz, tenham asas ou patas, deem comida ou sejam comida, busquem material ou emocional no emaranhado de sons abafados pela noite. Léo Bittencourt, que roteirizou seu filme ao lado do montador Ricardo Pretti (também diretor, uma das cabeças criadoras da Alumbramento, realizador de obras como Estrada para Ythaca e O Último Trago), cria uma ambiência que se revela cada vez mais profunda e menos assustadora, também seu filme com sede de noite.

Vagalumes tenta, no movimento de apagar e reacender sua luz, tecer sempre uma camada narrativa plus, reconfigurando o quadro previamente apreendido pelo espectador, e nunca cessando de surpreender. Ao flagrar um banho noturno fortuito, o filme nos apresenta uma casta que parece ser a simbologia de seu relato, porém a Léo interessa não apenas uma fatia, mas tantas quanto puder agregar. Do homem regurgitado em meio às serpentes notívagas aos felinos que invadem os planos, se todos cabem na noite, todos cabem no filme.

Desse esconderijo disfarçado de bosque chamado Aterro do Flamengo, as criaturas que necessitam de matéria acabam dando lugar gradativo às que precisam umas das outras. Não importa se algumas dessas imagens já foram anteriormente forjadas ou capturadas sob aspectos afins, o que importa é que essa emoções, esses desejos, essas inclinações de vida e de morte continuam sendo reafirmadas em cada um dos tantos Aterros do Flamengo espalhados pelo mundo. As pulsões que separam as trevas da luz se fazem muito rarefeitas nas interrelações do que a matéria sugere.

Pouco a pouco, entendemos que aqueles universos não são díspares, mas também não são complementares – animais e pessoas caminham paralelamente buscando na noite a luminosidade que muitas barreiras impedem de concretizar. Vagalumes entende que esses universos falam línguas diferentes, mas vibram pelos mesmos encontros, sejam entre sorrisos pós-banho, seja na dedicação ao boquete, seja no olhar emocionante de fim de noite que te encara pedindo para que você volte amanhã, em busca de luz – mesmo que ela só pisque, e depois se apague.

Um grande momento
O gato branco, e as sombras

[24ª Mostra de Cinema de Tiradentes]

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