Crítica | Cinema

A Sala dos Professores

Aula de tensão

(Das Lehrerzimmer, ALE, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama, Suspense
  • Direção: Ilker Çatak
  • Roteiro: Ilker Çatak, Johannes Duncker
  • Elenco: Leonie Benesch, Anne Kathrin-Gummich; Eva Löbau, Rafael Stachowiak, Michael Klammer, Kathrin Wehlisch
  • Duração: 95 minutos

Existem, neste momento, três filmes em cartaz que abordam conflitos acontecidos em ambiente escolar – sala de aula, dependências do corpo docente, que são (ou não) arrastados para fora de suas cercanias. Monster estreou no fim do ano, Ervas Secas acaba de chegar ao público (e é o melhor dos três), e esse A Sala dos Professores concorreu ao Oscar de filme internacional desse ano. Dos três, é o único que se recusa a mostrar outro palco, sendo inteiramente encenado na escola que deflagra os eventos. Com isso, é igualmente o único onde apenas os conflitos são a mola mestra, no que isso contribui para um detalhamento do que é a dinâmica estabelecida em cena, entre personagens que têm interesses distintos dentro de uma discussão social premente. 

O diretor Ilker Çatak constrói, assim, um estado de coisas tão forte em suas nuances, que, mesmo tratando-se de espaços onde portas são continuamente abertas, a tensão parece cortar o ar em determinados momentos. A Sala dos Professores não começa em banho maria para que a temperatura seja progressivamente acentuada; o espectador é jogado no olho do furacão já na primeira cena. É na riqueza desse propósito, ao formatar um clima de suspense ininterrupto entre situações banais de um cotidiano muito específico, que o filme se faça de maneira tão eficiente; estamos diante de um efeito dominó acionado de maneira meio displicente, mas que se mostra revelador de bem mais do que os eventos mostrados. 

O que Çatak observa não são apenas as ações e as movimentações verbais em torno desse microcosmos, mas a própria estrutura onde tudo se desenrola. O título já diz, a sala dos professores é um dos protagonistas da produção, e dessa forma, toda a leitura feita de cada canto é necessária, embora nunca exata. Porque estamos lidando, acima de tudo, com um jogo de percepções e achismos, muita subjetividade tratada como certeza, de todos os lados. A partir desse entendimento, é correto que ângulos sejam apresentados de maneira diferente, para que o espectador esteja sempre tentando compreender também a ambientação em foco. É saudável inclusive que os cenários de A Sala dos Professores sejam invadidos pela câmera, e que ela quase sempre também tenha uma voz subjetiva. 

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Em clima de bola de neve, tudo que está cena é passível de evolução, quase nunca apontando uma solução. O roteiro de Çatak e Johannes Duncker não se preocupa com as certezas, nem para seu próprio esclarecimento. Um exemplo é a forma taxativa como as pessoas encaram uma obra como Anatomia de uma Queda, que nada tem de definitiva, mas o espectador, educado pelo cinema estadunidense, anseia por respostas. Em A Sala dos Professores, nada é claro, simples ou afirmativo; isso não o torna maior, mas coloca na roda discussões de sempre, que o filme apresenta com muita propriedade. Porque o espectador precisa de controle a respeito de algo, e o filme não tem a intenção de fornecer clareza, mas de provocar reflexão e perguntas, e não se importar com as respostas. 

O senso de claustrofobia que o filme impõe também é gerado pelo acurado trabalho de câmera de Judith Kaufmann (de Corsage), que encurrala a ação ora como um campo de batalha, ora delimita o olhar do espectador a somente alcançar o permitido. É um conjunto de ideias e realização muito competente no que é apresentado, que eleva as discussões sobre moral e civismo em um ambiente que é, ao mesmo tempo, um local de trabalho e uma região de ensino. Transformar esse cenário de A Sala dos Professores, que muitos já sacralizaram, em celeiro à beira da carnificina, é corajoso; também porque não é apenas o cenário que perde sua proteção, mas personagens tidos como infalíveis, como professores e crianças, seres humanos cheios de falhas em qualquer idade, ou aspecto social. 

Contribui para a regência dessa ópera exasperante e sem fim o trabalho meticuloso de Leonie Benesch, a protagonista de A Sala dos Professores. Sua Carla Nowak é um manancial de contradições, ela mesma cedendo a suas próprias afirmações já em momentos seguintes. Se no caso dessa personagem isso é tão bem concebido, o filme como um todo escorrega em extremos muitas vezes, cedendo lugar a uma histeria que, algumas vezes cabe na cena, e em outras não. Mas talvez seja o trabalho de Benesch responsável por blindar a si mesma, com as dúvidas estampadas, e os posteriores sintomas de perda de saúde avançando. Entendendo as posições exageradas por situações-limite, conseguimos extrair o melhor resultado possível dentro de um caminho onde tudo poderia ter se mostrado muito descalibrado; nunca é o caso. 

Um grande momento

O primeiro embate entre Carla e a sra. Kuhn, na recepção 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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